A crise social agravou-se na ilha Quirimba, localizada na província moçambicana de Cabo Delgado, quase duas semanas depois dos insurgentes terem tomado o controlo do território e protagonizado um saque massivo em lojas informais e residências, provocando uma escassez de alimentos.
Vários moradores disseram à Voz da América que estão a recorrer a melancias e abóboras para se alimentarem, produtos que, no entanto, começam a escassear nos campos agrícolas.
O assalto e controlo da ilha Quirimba - uma das mais importantes do arquipélago de 30 ilhas corais no norte de Moçambique - paralisou as trocas comerciais e o reabastecimento de produtos por via marítima, agravando a já difícil situação alimentar.
“Sim, fome mesmo. Não há comida assim. Não entra nenhum barco e nem nada (para abastecer). A população está mal, não temos maneira, só estamos a aproveitar aquelas coisas que tínhamos nas machambas, abóbora, maçaroca, e se acabarem esses produtos vamos morrer a fome”, contou à Voz da America, Assane Mulima, que está escondido num campo agrícola desde a invasão da ilha, a 3 de março.
Receios de que pessoas escondidas possam ter morrido à fome
Mulima acrescentou ainda que os insurgentes circulam pela ilha e provocam medo, o que impede os pescadores de voltarem ao mar, a sua maior fonte de rendimento.
“Há fome, porque não há condições das pessoas procurarem alimentos, só estão a tratar da guerra”, precisou outro morador, que preferiu o anonimato, anotando que a maioria dos alimentos ali saqueados foi enviada de barcos para as bases dos insurgentes em Quissanga e Macomia.
Issa Ali, igualmente refugiado num campo agrícola, disse que a sua família tem tentado poupar os recursos da horta, fazendo uma refeição por dia para não morrer à fome, e receia que hajam pessoas que possam ter morrido de fome nos esconderijos improvisados.
“Acordei de manhã, comi melancia e assim já está. Aqui não há farinha, nem arroz, nem nada. Ir à pesca, temos medo, os insurgentes estão lá”, afirmou Issa Ali.
Outro morador, que está na vila de Quissanga, e que não se quis identificar, confirmou que os rebeldes continuam a circular em motorizadas e bicicletas, e que o hospital está encerrado. Há apenas um comerciante local a vender paracetamol, conta.
Após vários meses de emboscadas a militares e a atacar aldeias dos distritos a sul de Cabo Delgado, os insurgentes passam agora a maior parte do tempo a assaltar aldeias em busca de suprimentos e alimentos, disseram moradores.
Localmente conhecidos por al-shaabab, os insurgentes chegaram à ilha Quirimba depois de saquear e vandalizar barracas e estabelecimentos comerciais na vila sede do distrito de Quissanga, no sábado, 2 de março, como confirmou, na altura, o presidente moçambicano, Filipe Nyusi.
Ponte marítima
Os moradores relatam que as organizações humanitárias não têm tido acesso às regiões devido à insegurança.
Sérgio Cipriano, administrador de Mocímboa da Praia, disse que o Governo e empresários locais estão a programar uma “ponte marítima” para o transporte de mantimentos para abastecer o distrito e outras regiões do centro e norte de Cabo Delgado a fim de colmatar a enorme escassez de alimentos.
Para além do saque dos insurgentes, algumas zonas estão sem alimentos devido ao corte, provocado por chuvas, da principal estrada que liga o sul e norte de Cabo Delgado.
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