O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco considera que em Angola os acusados de corrupção vivem em paz porque a justiça não funciona, a não ser contra quem quer exercer os seus direitos como os chamados revús.
Na conversa com os ouvintes da VOA no programa Angola Fala Só o também antigo secretário executivo da CPLP analisou a situação em Angola, bem como a democracia em África.
Questionado sobre o Protectorado da Lunda Tchokwe e o seu objetivo de conseguir autonomia para as Lundas, Moco afirmou que se as reivindicações fossem enquadradas e aceites no quadro da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos “talvez encontrássemos ali uma solução aceitável a nível nacional e a nível internacional”.
O convidado do programa Angola Fala Só (AFS) diz que as reivindicações existem devido à centralidade do Estado angolano que “não atende às especificidades locais.”
Como o caso da Lunda Tchokwe, também Cabinda, apesar deste último ser, na opinião do convidado “muito mais complexo”, pois já antes da independência existiam movimentos de libertação do que os independentistas chamavam a “colónia separada de Cabinda”.
A diferença é que relativamente às Lundas não se fala de independência mas de mais autonomia, mas, sublinha Marcolino Moco, existe “um regime muito centralizador, muito repressor a qualquer tentativa de alusão aos direitos, liberdades e garantias, que cabem ou podem absorver o conceito de autonomia de um povo dentro do povo geral angolano”.
Quanto ao papel de varias organizações internacionais na resolução de conflitos, Marcolino Moco disse que já propôs que União Africana, ONU e a União Europeia, pela influência que tem sobre Angola, tenham uma atitude diferente, que deixem de fazer “trabalho de bombeiro, que quando há um incendio num sítio aparecem aí, recomendam a realização de eleições ou constituição de governos de unidade nacional apressados, mas é tempo de se proceder a um verdadeiro conserto do que devem ser os “Estados africanos”.
Para Moco, é preciso repensar os Estados africanos.
“Já não devem recuar as fronteiras apressadamente constituídas, mas deve-se pensar como vários povos devem ou podem conviver dentro desses Estados apressadamente constituídos”, justificou, para diz que “os próprios africanos é que têm tomar a iniciativa.”
Para o antigo primeiro-ministro, o processo dos 17 activistas é um exemplo de uma “democracia participativa persistentemente reprimida”
Sobre uma possível recandidatura do Presidente José Eduardo dos Santos em 2017, o Marcolino Moco disse que “não tenho duvidas” que irá acontecer porque em Africa, “hoje mais do que nunca, vemos que quem chega ao poder nunca mais sai.”
Da mesma forma disse que sentia que “os pares dentro do MPLA, sobretudo na cidade de Luanda, estão em torno do Presidente para não perderem os seus privilégios.”
O agora advogado e consultor salvaguardou, no entanto, a possibilidade, já referida por outros de que a crise mundial e a crise em Angola que decorre da forma como é “arbitrariamente dirigido constituem um pretexto para se adiar as eleições, o que é pior”.
Ainda sobre o caso dos activistas, que um ouvinte disse ter lido não haver provas para os condenar e que não saíam porque o Governo tem medo que que possam perturbar a ordem pública, o convidado do AFS respondeu que era essa a única “ilação que se podia tirar”.
Moco acrescentou ainda que os jovens se entusiasmaram com a Primavera Árabe e não perceberam as diferenças com a África subsaariana.
Ele acrescentou não existe nada legal ou constitucionalmente que lhes retire o direito a se manifestarem.
“É claro que há o medo de que essas manifestações persistam através da acção desses jovens que são os únicos que têm tido coragem de chamar a atenção de que não estamos bem, que este regime não corresponde ao que está escrito nas normas constitucionais”, asseverou Marcolino Moco, insistindo que que “o culpado disso tudo é quem alterou a Constituição de 1992, dando a ideia de que quer continuar no poder até não sei que ano”.
De novo considerou que a prisão preventiva dos jovens activistas estava repleta de irregularidades, tal como a prisão domiciliária irregular.
Sobre o seu afastamento público do MPLA, Marcolino Moco disse que não há cargos permanentes e que chegou a uma altura em que o partido “encetou uma direcção que não me agrada e eu também evolui numa direcção que não agrada aqueles que hoje mandam no MPLA, sobretudo ao Presidente Jose Eduardo dos Santos”.
Mas “isso não é um problema”, sublinhou.
Outro assunto discutido no programa para o qual o convidado do AFS chamou a atenção é a “participação das etnias no poder”, uma participação que quando negada provoca violência, como em tempos idos em Angola.
“Agora não existem, deixou de se falar desse problema, o qual prevalece, e que os africanos não discutem”, alertou o antigo primeiro-ministro, para quem “tudo o que existe, não é discutido e não se resolve vai criar problemas.”
A este propósito, citou Jonas Savimbi para quem uma ferida não está curada só por ter uma crosta em cima.
Quanto à corrupção, Marcolino Moco diz que existe em todo o lado, mas que os acusados ou suspeitos de actos graves de corrupção “só aqui em Angola é que estão em paz”.
“Não há processos e, pelo contrário ,os que querem gozar dos seus direitos são presos, como os revús.
“Os órgãos de justiça angolanos estão completamente vacinados”, imobilizados, que é muito grave pois uma país sem justiça, é um pais sem referência e na qual não se pode confiar”, concluiu o antigo primeiro-ministro angolano.