No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, profissionais da classe em Angola denunciam retrocessos na liberdade de informar e de ser informado.
Sindicato dos Jornalistas Angolanos, Misa-Angola e Comissão de Carteira de jornalistas consideram haver vida difícil para quem escolheu ser jornalista no país, enquanto o Presidente João Lourenço felicitou jornalistas pelo
dia 3 de Maio.
A UNITA, na oposição, manifestou “enorme preocupação” com as “constantes violações” dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas por agentes e instituições do Estado.
Nos últimos dias, viralizou nas redes sociais um áudio dando conta de um acto que está a ser visto como censura protagonizado por um empresário do MPLA no Cunene, Francisco Lubamba que, durante a emissão da rádio com o mesmo nome do seu dono, na província do Cunene, em que Francisco Lubamba ligou para a estação e no ar mandou acabar com um debate.
"Não criamos essa rádio, para falar de política, acabem já com isso", disse Lubamba aos seus trabalhadores.
Luísa Rogério, a presidente da Comissão da Carteira e Ética dos jornalistas diz que a Procuradoria-Geral da República devia investigar imediatamente
o que chama caso claro de censura em Angola.
"Estamos a falar de um jornalista que foi alvo de censura que, mesmo tendo sido o dono da rádio a mandar em pleno ar fechar o programa, nós repudiamos veementemente esta situação que é um caso flagrante de que há censura em Angola que muitos ainda duvidam", afirma Rogério, que apela aos jornalistas a não permitirem práticas desta natureza por ser crime.
"Nós,os jornalistas, a pretexto do tal pão das crianças ou da fome que no fundo assola todos nós, não permitirmos actos destes que são altamente lesivos à dignidade profissional e humana, os jornalistas devem ter a obrigação em defesa da dama que é o jornalismo não aceitar situações destas e caso seja necessário acionar cláusula de consciência", conclui.
Liberdade de imprensa não é liberdade de expressão
Fonseca Bengui, do Sindicato dos Jornalistas Angolanis, lembra que o empresário "foi bem claro, com toda a arrogância ´Eu sou do partido no poder acabem com este debate´ de forma flagrante como se no país não existissem leis, esta é a tendência hoje todos que detém o poder económico são os governantes ligados ao partido no poder, então todos tendem a defender a mesma linha de actuação, os mesmos interesses infelizmente".
Na mesma linha de pensamento está o jornalista Rafael Marques, dono do portal Maka Angola, quem pede que se separe liberdade de expressão da liberdade de imprensa.
"Não podemos ter a ilusão de querer ter liberdade de imprensa quando a grande maioria dos órgãos são controlados pelo Estado, há cada vez menos liberdade de imprensa e cada vez mais liberdade de expressão, uma coisa não acompanha necessariamente a outra, hoje as pessoas falam mais, mas sem organização, por isso Angola está cada vez mais sujeita à intriga e divisionismo porque a opinião pública é alimentada por mujimbos", aponta Marques.
Guilherme da Paixão, do MISA Angola, diz que o cenário da comunicação social está tão apertado que não aconselha nenhum jovem a seguir a
profissão.
"Nos moldes em que estamos não aconselho nenhum jovem a fazer jornalismo no país, não vale a pena, façam outra coisa qualquer porque nós estamos mal, nosso jornalismo não está nada bom", afirma Paixão.
Pouca esperança
Por seu lado, Francisco Pedro, jornalista da Rádio Nacional de Angola, a emissora estatal, reconhece alguns recuos.
"Eu não noto tanta diferença assim entre o jornalismo que se fazia outrora e o que se faz hoje, no meu caso particular sinto-me muito bem hoje como me sentia lá atrás, mas é evidente que quando olho para os outros colegas não vejo essa mesma sensibilidade", anota.
Makuta Nkondo, que também exerceu jornalismo e foi deputado é peremptório ao dizer que "se houver liberdade de imprensa e de expressão a verdade vem à superfície e o regime angolano sempre gostou de mentiras e de bajulação, é óbvio que não lhes agrada que haja liberdade se não são desmascarados".
Entretanto, há quem continue a estudar para ser jornalista.
Maria Germana é licenciada em comunicação social mas diz que já se arrependeu.
"Na verdade em Angola não existe liberdade de imprensa, já há um padrão pré-estabelecido para que todos sigam, quando aparece alguém a desvirtuar desta linha é perseguido, eu, como mãe, não aconselho uma filha a seguir a fazer comunicação social em Angola, tudo que aprendi na universidade não se consegue colocar em prática em Angola e por razões políticas e do regime que vivemos", exemplifica Germana.
PR e UNITA posicionam-se
Entretanto, neste dia, em mensagem, o Presidente da República felicitou todos os jornalistas angolanos pelo dia da liberdade de imprensa.
"Assegurar a liberdade de imprensa em todo o país é um caminho sem retorno, porque reconhecemos o poder da comunicação social no combate à corrupção e à impunidade, na promoção do bem-estar social e na formação de opiniões que permitam a tomada de decisões políticas assertivas”, escreveu João Lourenço na sua conta oficial do Facebook.
A UNITA, na oposição, também manifestou “enorme preocupação” com as “constantes violações” dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas por agentes e instituições do Estado em Angola e condenou a “contínua manipulação, coação, censura a partidarização” dos órgãos públicos.
Numa nota, aquele partido recorda que a liberdade de imprensa está plasmada na Constituição angolana, mas diz constatar com enorme preocupação as constantes violações dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas por agentes e instituições investidos do poder do Estado.
Índice da Liberdade de Imprensa 2023
Angola é o único país africano de língua portuguesa que desceu no Índice de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgado nesta quarta-feira.
O país desceu 26 lugares, ao ocupar, num universo de 180 países, a 125ª posição, quando em 2022, ficou no 99º lugar.
"A posse de um novo Presidente, João Lourenço, em Setembro de 2017, encerrou quatro décadas de governo da família dos Santos, mas não marcou um ponto de viragem para a liberdade de imprensa", lê-se no relatório que "o acesso a informações estatais e a fontes governamentais é muito complicado, enquanto a censura e a auto-censura ainda são comuns", num cenário em que "o partido no poder está sobre-representado" especialmente na Televisão Pública de Angola (TPA)".
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