A Guiné-Bissau volta a estar no foco de organizações internacionais que analisam o crime organizado, no meio de mais uma crise política e durante uma pandemia que levou o novo Presidente da República, Úmaro Sissoco Embaló, a decretar o estado de emergência, reforçado com o recolher obrigatório nesta semana.
A Iniciativa Global contra a Criminalidade Transnacional Organizada (GI-TOC), uma plataforma que reúne mais de 500 investigadores e observadores em diversos países, num documento de 21 páginas divulgado nesta semana alerta para a suspensão de investigações ao tráfico de droga no país, apesar do discurso das novas autoridades de combate ao tráfico de droga e à corrupção.
“Os polícias limitaram os seus movimentos e deixaram de fazer investigações aprofundadas”, escreve a GI-TOC, que descreve o ambiente atual na Guiné-Bissau como sendo semelhante ao que chama de “golpe da cocaína”, em 2012, em que a Polícia Judiciária (PJ) limitou as suas operações por medo de represálias por parte dos militares.
“A pandemia da Covid-19 também desviou drasticamente a atenção do debate político em Bissau”, diz o relatório, acrescentando que “as mudanças no Governo levantam suspeitas de que políticos de alto nível estejam muito menos comprometidos com a erradicação do tráfico”.
Os investigadores da plataforma dizem que o “o velho Seidi Bá, que supostamente estava em fuga do antigo Governo, reapareceu misteriosamente após a nomeação de (Nuno) Nabiam como primeiro-ministro”.
Regresso do "velho Seidi Bá"
Braima Seidi Bá é dono do armazém onde foram encontradas quase duas toneladas de droga em março do ano passado.
Os investigadores dizem que “o julgamento dele, cujo acesso foi restrito por causa do estado de emergência, ocorreu à revelia do próprio, embora Seidi Bá estivesse em Bissau quando a sentença foi proferida”.
A sentença de 16 anos de prisão foi proferida a 31 de março passado e, desde então, segundo a GI-TOC, “Seidi Bá não se apresentou à prisão para cumprir a sentença, mas continuou a circular livremente por Bissau, cercado por vários homens de uniforme militar”.
Informações que circulam em Bissau, ainda de acordo com o documento, dizem que “Seidi Bá opera sob a proteção de Antonio Indjai”, o antigo Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e autor do golpe militar de 2012 e acusado pelos Estados Unidos de ser o chefe do tráfico de droga no país.
Os demais envolvidos e condenados encontram-se detidos na Cadeia de Bandim.
Interferências
“A aparente interferência de elementos das forças de segurança no trabalho da Polícia Judiciária aumentou desde fevereiro. Por exemplo, em março, uma brigada móvel da Polícia Judiciária deteve um cidadão guineense na posse de um quilo de cocaína no aeroporto”, dizem os investigadores, apontando que a droga destinava-se a Portugal.
No entanto, “agentes da Guarda Nacional do Ministério do Interior, uma instituição responsável pela segurança nas fronteiras, intervieram posteriormente e a Polícia Judiciária não pode fazer muito contra a Guarda Nacional, bem armada”, lê-se no documento, acrescentando que “o suspeito foi libertado e a droga parece ter desaparecido em circunstâncias misteriosas”.
No início de abril, ainda de acordo com o GI-TOC, “o diretor da Divisão de Investigação Criminal da Polícia de Ordem Pública, Baba Djaló, ficou detido por 12 dias por suspeita de tráfico de drogas, as alegações contra ele, que não são claras, sugerem que ele roubou drogas detidas pela Polícia de Ordem Pública”.
Um diplomata estrangeiro citado pelos investigadores afirmou que “não foi uma detenção, mas um sequestro, um caso de ladrão que rouba ladrão”.
Pressões
O relatório intitulado “Quebrando o ciclo vicioso – Cocaína e política na Guiné-Bissau", relata ainda pressões sofridas por jornalistas e bloggers, bem como o exercício constante de autocensura que é motivado por receios de segurança.
“Alguns políticos que se opuseram ao tráfico de droga foram também visados”, diz o documento, que aponta o caso da antiga ministra da Justiça Ruth Monteiro, que contestou a nomeação de procuradores públicos alegadamente associados ao tráfico de droga.
“Foi impedida de sair do país durante algum tempo e manifestou temer pela sua vida. Os que se opõem à ligação entre o Estado e o tráfico de droga sentem-se muito pouco protegidos”, dizem os investigadores.
O relatório apresenta um resumo das crises políticas na Guiné-Bissau e as apreensões de drogas no país, bem como a investida da Agência Anti-Droga dos Estados Unidos (DEA), em 2013, contra traficantes e da qual resultou a detenção, entre outros, do almirante Buto na Tchuto, na altura braço direito de António Indjai.
Fundada em 2013 e com sede em Genebra, na Suíça, a Iniciativa Global contra a Criminalidade Transnacional Organizada (GI-TOC) compreende uma rede de mais de 500 especialistas independentes, a nível mundial e regional, e dedica-se a temas de direitos humanos, democracia, governança e questões de desenvolvimento, onde o crime organizado está cada vez mais presente.