De acordo com analistas as interferências político-partidárias no trabalho da imprensa têm estado a criar impasses no processo de consolidação da democracia em Angola.
O Jornalista Manuel Vieira considera a mídia como a guardiã da democracia, na medida em que pode vigiar as políticas desenvolvidas pelas autoridades e pelos partidos políticos bem como pela sociedade civil.
O actual distanciamento da mídia de alguns assuntos da actualidade política nacional que envolvem figuras ligadas ao poder político angolano revela-se como um dos maiores obstáculos da participação da imprensa no processo de democratização de Angola.
O antigo Director de Informação da Rádio ECCLESIA-Emissora Católica de Angola-aponta como exemplo os alegados casos “nítidos” de violações à Constituição da República, o suposto tráfico de influência no caso BESA, cujo seu principal gestor foi inquerido recentemente pelos deputados portugueses.
«Não só o próprio governo, mas há outros órgãos intervenientes neste processo de democratização que são os próprios partidos políticos que também devem ser vigiados por este “watch dog” ou este cão de guarda da democracia que é o jornalista. Há partidos que têm estatutos que nitidamente têm limitações de poderes ou não há, mas é bom questionar a estes políticos. Porque a democracia é dinamizada não só na hora de ir ao voto, na hora da campanha eleitoral, deve ser dinamizada sempre ao longo de todos os períodos que intermedeiam as eleições», esclareceu.
A Comunicação Social não tem apenas o papel de informar as pessoas, mas também de ajudar os puderes públicos nas decisões, analisar os fenómenos sociais e políticos desde que seja exercida com liberdade e independência.
O Jornalista Graça Campos entende que sem uma mídia livre e independente não há Estado que se possa “gabar” de democrático. Neste sentido, aponta um elevado défice da democracia em Angola devido o “excessivo controlo” do Governo sobre a Imprensa.
O antigo Director e fundador do Semanário Angolense aponta igualmente o caso BESA, em que o Presidente da República engajou o Executivo com uma garantia soberana sem uma prévia consulta da Assembleia Nacional. Este assunto, segundo o jornalista, ocorreu “perante a complacência e o silêncio total da Comunicação Social nacional”.
«Sem uma comunicação social não há democracia. Qualquer país só avança quando tem uma comunicação social livre e independente», concluiu.
Para alguns, as interferências políticas na mídia angolana estão generalizadas. Para o Jornalista Lucas Pedro o partido no poder, o MPLA, toma o controlo de tudo desde a autorização para abertura de um novo órgão de informação, o conteúdo crítico das matérias para além dos custos altos praticados pelas gráficas.
O editor do Portal Club-k pensa que o estado actual da imprensa reflecte a situação do país. «Para o MPLA não há pão para malucos. Você quer fazer um jornal para criticar suas políticas, suas debilidades, denunciar seus erros, corrigir para ajudar na democratização da própria imprensa em si. Eles te apanham neste ponto. Também ninguém pode tirar um jornal à revelia», disse.
Lucas Pedro aponta por outro lado o caso que envolve o General e membro do Comité Central do MPLA, Bento dos Santos Kangamba, recentemente acusado pela justiça brasileira de tráfico de mulheres, um caso sobre o qual a imprensa pública angolana não fez qualquer referência. Para o Jornalista questões como estas ligadas ao “silenciamento da imprensa” na abordagem de determinados assuntos constituem impasses à democratização do país.
Graça Campos, por sua vez, atirar-se ao MPLA considerando-o um partido “sem vocação” para tolerar pluralidade informativa, uma vez que, existem algumas iniciativas, tendentes a criação de mais órgãos privados de informação, que se encontram dependentes da vontade política.
Para o jornalista o surgimento de um jornal privado diário, livre e independente daria uma nova opção de leitura aos cidadãos, mas se mostra céptico se o mesmo seria ou não um avanço à democracia devido a presente conjuntura política.
«Sobre o actual contexto político não creio que haja jornal que venha a ser muito útil, explicou.
Há necessidade de surgimento de um novo diário dado que a imprensa é “muito monocórdica”, mas o seu contributo à democracia efectiva só teria efeito positivo caso surgisse com uma nova matriz na abordagem dos factos. Por isso, Manuel Vieira insiste que quadros qualificados, uma maior investigação e a qualidade do trabalho podem fazer a diferença e contribuir para uma democracia efectiva.
A influência da mídia junto das massas há muito que foi percebido pelo poder político, dai que o jornalista Manuel Vieira indica que o poder político e económico em Angola é bastante hegemónico. Sem apontar casos em concretos fala em órgãos de informação que são usados para fazer propagandas dos interesses dos seus proprietários.
O ex-director de informação e chefe de redacção da Ecclesia denuncia que grande parte dos proprietários de órgãos privados de comunicação social são detentores de cargos públicos ou exercem tráfico de influência e terão influenciado quem decide na aprovação da Constituição da República, que tem sido alvo de violações por quem a aprovou por maioria.
Para Graça Campos enquanto o MPLA se mantiver no poder com estas ideologias não haverá mudanças no que toca ao estado da comunicação social e em consequência desta hegemonia, o que vai acontecer, segundo o jornalista, é a criação de mártires da comunicação social angolana.
Graça pensa que o partido governante em Angola não abre mão da sua hegemonia, pelo que, não está disposto a mudar. Para ele, o MPLA tem uma aversão à transmissão dos debates da Assembleia Nacional em directo na Televisão Pública de Angola, embora seja um direito de todos os cidadãos.
«Ao não permitir isto (a transmissão dos debates do parlamento na TPA) quer dizer que o MPLA não quer que a sociedade seja informada, nega-nos, a nós angolanos, um direito que está protegido pela própria Constituição que é o direito de acesso à informação», concluiu.
A compra de alguns órgãos de informação e o seu consequente monopólio tem sido outro obstáculo à democracia. A aquisição de grupos de mídia não se resume apenas a Angola, o investimento estende-se à Europa, em Portugal de concreto, o que faz com que a mídia independente esteja comprometida com o poder político angolano.
Para além da SIC-Notícias e do Jornal Expresso o Jornalista Manuel Vieira não vê outro meio de informação luso capaz de tecer críticas à governação angolana.
Em 2014 o Presidente da República José Eduardo dos Santos concedeu duas grandes entrevistas exclusivas à dois órgãos de informação estrangeiros, a TV Bandeira, do Brasil e a SIC-Notícias, de Portugal, após 22 anos sem conceder entrevista à algum órgão de informação em Angola.
Para ex-director e fundador do Semanário Angolense este desprezo pela mídia angolana por parte do PR é recorrente. Graça Campos lembra que a quando da sua última viagem aos EUA “o Presidente da República referiu-se aos jornais do seu país como pasquins”.
Por outro lado o jornalista critica o excesso de censura e de elogios ao executivo em alguns órgãos de informação, que para ele, são “nocivos à democracia”.
Sobre o papel da mída na democratização de Angola o país tem muitos desafios. Contudo, Manuel Vieira entende que um deles tem a ver com o desconhecimento de muitos políticos sobre as oportunidades que mídia oferece.
«Aparece um com uma chapa partidária oposicionista, o MPLA falha e é o próprio MPLA que vai dizer que esta mídia é mais colocada com a oposição, o que não é verdade». O critério de escolha é absolutamente igual, defendeu.
Para o Jornalista é a igualdade que faz a diversidade e esta por sua pensa dá a possibilidade da opinião pública ter uma visão sobre determinados assuntos.
Os meios de comunicação social exercem uma forte influência no processo de democratização de qualquer Estado já que também desempenha o papel de fiscalizador das acções desenvolvidas seja pelo governo como pela sociedade civil.
O papel da Mídia no processo de democratização de Angola foi tema de uma mesa redonda promovida no ano passado pela Universidade Católica de Angola que juntou à mesma mesa distintos jornalistas angolanos, estudantes universitários, docentes, políticos entre outros. Os conferencistas concluíram que a interferência dom poder político na comunicação social é um impasse a democracia.