As autoridades angolanas revelaram recentemente preocupação com o baixo índice de inclusão financeira em Angola, que na sua visão tem concorrido para 'informalização' da economia. Contudo, especialistas defendem mais investimentos, apoio e cooperação entre o estado e as iniciativas privadas.
A melhoria dos serviços bancários móveis para consolidação da inclusão financeira será eficaz com a cooperação entre os sectores público e privado, uma vez que os custos de certificação e implementação de serviços bancários móveis e digitais são altos.
São vários os estudos divulgados nos últimos 24 meses e que apontam para exclusão financeira da grande maioria da população, havendo necessidade de mudança do quadro se o que se pretende é acabar com a informalidade no comércio em Angola e a disponibilização de serviços bancários instantâneos, já que, de acordo com estudos divulgados, apenas 25% da população angolana possui níveis adequados de literacia financeira.
Já a taxa de bancarização é de apenas 32%, enquanto aproximadamente 50% da população está incluída no sistema financeiro. Esses números revelam a urgência de intensificar os esforços em educação financeira, transformando essa prioridade numa meta nacional.
Um dos maiores desafios para a inclusão financeira em Angola tem que ver com o fraco investimento em 'Mobile Money'. O investimento mínimo parta instalação de um posto de serviços de bancários digitais em Angola, ultrapassa os 15 milhões de kwanzas. O empresário Nuno Veiga, CEO da empresa Pay4all, diz que, a julgar pelos fracos investimentos feitos para inclusão financeira e disponibilização de serviços bancários mais acessíveis, não acredita que nos próximos dez anos o país tenha um quadro melhor.
“A criação de uma aplicação financeira de mobile Money credível, pode custar a volta de USDD 30 mil (...) Há uma grande dificuldade e acredito que com as exigências para ser PSP em Angola não sei se até os próximos dez anos vamos ter um número grande. Para estar no mercado o investimento é alto, para cumprir com as exigências de transição, os investimentos em soluções credíveis e certificadas geralmente paga-se em moeda estrangeira, mas os custos são altos”, disse o empresário.
O PNUD realizou recentemente um inquérito sobre a economia informal em Angola, com cerca de 10.000 inquiridos. O estudo revelou que as mulheres representam uma parcela significativa da economia informal, liderando 72% dos negócios nesse sector. Desses empreendedores, 88% considera o dinheiro em espécie como o seu principal capital.
Pagamentos, crédito, poupança, seguros e depósitos são em teoria pilares da inclusão financeira, segundo Eduardo Bettencourt, Administrador Executivo da EMIS - Empresa Interbancária de Serviços. Para garantir a inclusão financeira requer partir da base, que consiste na organização do sistema de identificação dos cidadãos, por isso Bettencort entende que falta em Angola capacitação e investimento para os serviços bancários chegarem à toda a população.
“No âmbito do Corredor do Lobito, um grupo disse que isso pode ser interessante porque do ponto de vista da inclusão financeira há interesse comercial do grupo em garantir que pode pagar os colabores de forma eletrónica. Esta linha é interessante, mas depois fica restrita ao agricultor e na sua relação com este grupo em particular”.
Um estudo realizado recentemente pelo BNA dá conta que 59% da população é vulnerável e apenas 10% tem saúde financeira. O índice de inclusão financeira do país é de 49,1% e em cada 100 angolanos 75% não faz poupança financeira. É por esta razão que foi criado o Comité de Coordenação para a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira que envolve várias instituições do sector público e privado e prevê lançar a Estratégia Nacional até o I trimestre de 2025.
As autoridades angolanas querem pôr fim ou pelo menos minimizar a informalidade da economia e exclusão financeira. O Banco Nacional de Angola assinou recentemente um protocolo com o Ministério da Administração do Território, que prevê a disseminação de informações sobre instrumentos de pagamento.
Ainda nesta perspetiva, com foco na formulação da Estratégia Nacional para a Inclusão Financeira, o BNA e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional -USAID - organizaram em Luanda uma conferência sobre “Inclusão Financeira”. Na ocasião, Manuel Tiago Dias, Governador do banco central angolano, destacou as iniciativas como o Kwik, que promove a interoperabilidade entre clientes bancarizados e não bancarizados, como exemplos do progresso que vem se alcançando.
“As carteiras de dinheiro móvel, que garantem essa interoperabilidade, têm potencial para transformar o ecossistema de pagamentos em Angola”, referiu o Governador do BNA que, por outro lado, reafirmou o compromisso do banco central em trabalhar em conjunto com todos os parceiros, incluindo a sociedade civil, para transformar desafios em oportunidades e construir um sistema financeiro mais moderno e inclusivo.
Fátima Almeida, fundadora da carteira digital BayQi entende que o BNA tem um papel fundamental para inclusão financeira e disponibilização de serviços de carteira móvel, permitindo a associação das contas bancárias às carteiras móveis.
“O Cash in é extremamente difícil. Eu sou CEO de uma carteira digital e para ser ativa dentro da nossa carteira digital é um problema. Por quê? Porque eu tenho que deslocar um agente ou ir no multcaixa express. Se nós associarmos os cartões multicaixas da mesma forma que a EMIS tem as nossas carteiras, provavelmente eu não precisava de perder a carteira, porque só bancarizada”, disse a empresária.
Fátima Almeida defende, por outro lado, o direito de ter acesso direto do seu dinheiro no cartão à sua carteira. “Isto quebra o ecossistema. Mesmo que eu for agora a uma cantina que tenha o QR code e eu tendo a carteira BayQi eu não consigo pagar se não tiver dinheiro na carteira. E para pôr dinheiro na carteira eu tenho que sair do meu sistema, ir para o sistema do multicaixa ou um sistema de um banco que aceita eu carregar para poder pagar ou ir a um agente”, criticou.
É preciso definir prioridades para os desafios de inclusão financeira em Angola, um território onde todos os atores, do sector público e privado, são chamados a contribuir para apresentar soluções pragmáticas médio e longo prazo.
Em relação ao processo de bancarização, Ondjoy de Barros, membro da Associação Angolana de Bancos, afirmou que é preciso olhar para outras nuances, tal como um aumento do número de pessoas com a cesso aos serviços bancários e do nível de literacia financeira.
“Fala-se em desafios de educação, infraestrutura (...) Todos atores são preponderantes para resolução deste problema, mas devemos estar focados nas soluções e aqui o sector público tem um papel preponderante para resolução de desafios que tem a ver com infraestruturas, com as questões de políticas a nível da educação e de identificação. Devem ser identificados, temos que ter soluções pragmáticas destes desafios a médio e longo prazo”, referiu.
Para o membro da ABANC, Ondjoy de Barros, a cooperação entre o sector público e privado é fundamental para a eficácia do processo de inclusão financeira. E, nesta perspetiva, dá como exemplo o Corredor do Lobito, onde haverá uma boa infraestrutura logística, que pode ser aproveitada para criar incentivos ligados à inclusão financeira e digital da população. Aquele especialista chama atenção, por outro lado, para a qualidade de serviços prestados. “É preciso ter em atenção a fiabilidade do serviço prestado. Podemos ter a infraestrutura, mas se não tiver o sinal o cidadão não consegue tirar o seu dinheiro ATM”.
A cooperação do sector público e privado pode impactar significativamente a vida das pessoas, diz o Administrador Executivo da EMIS, Eduardo Bettencourt que recorda que a Empresa Interbancária de Serviços resultou da cooperação entre várias instituições.
O processo de inclusão financeira é coletivo, disse o CEO da Pay4all, para quem é preciso trazer os grandes operadores do mercado ao digital para que os cidadãos comuns a quem eles prestam serviços consigam estar incluídos do ponto de vista financeiro.
“Isto é um processo. Não é só os não incluídos, temos de fazer os dois, os que estão incluídos trazer para o sistema os não incluídos”, concluiu.
Fátima Almeida CEO da BayQi, Nuno Veiga, CEO da Pay4all, ambos empresários do ramo do mobile Money, Ondjoy de Barros, da ABANC - Associação Angola de Bancos e Eduardo Bettencout, Administrador Executivo da EMIS, foram oradores na Conferência sobre Inclusão Financeira, promovida esta semana pelo BNA e a USAID.
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