Cabo Verde é considerado um dos estados mais livres de África e em matéria de liberdade de imprensa é apontado como um exemplar no continente.
No mais recente relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgado no passado dia 21 de abril, o arquipélago mantém-se na 25ª posição no ranking da Liberdade de Imprensa 2020, a nível mundial.
Entretanto, a imprensa privada enfrenta enormes problemas de financiamento que colocam em risco alguns órgãos e também a propria liberdade de imprensa.
O presidente da Associação dos Média Privados, Fernando Ortet, e presidente do Sindicato Nacional dos Jornalistas Cabo-Verdianos (AJOC), Carlos Santos, consideram que o Estado deve traçar políticas e criar condições financeiras necessárias para que os órgãos possam continuar a fazer o seu trabalho.
Para Fernando Ortet, tal como o Governo apostou e procurou meios para outros setores, nomeadamente saúde, justiça e educação, deve olhar para a comunicação social com mais e melhores olhos, fazendo investimentos para que os órgãos “possam apostar na qualificação e especialização dos profissionais e ter meios financeiros que lhes permitam apostar no jornalismo de investigação, fator essencial para o reforço da cidadania e cabal esclarecimento da opinião pública”.
Falta de recursos financeiros
Aquele jornalista e empresário da comunicação acrescenta que não se pode falar de uma verdadeira liberdade de imprensa no arquipélago, quando há dificuldades no acesso às fontes de informação e “quando se notam ameaças com corte de publicidade das empresas públicas e outros apoios aos órgãos de comunicação social”.
Em termos técnicos e tecnológicos, Ortet reconhece que a imprensa pública, sobretudo a rádio e a televisão, que são os mais antigos, estão melhor apetrechados.
Outro aspeto preocupante na ótica do presidente da Associação dos Médias Privados prende-se com “a fraca capacidade de absorção dos jovens licenciados em jornalismo pelo mercado de trabalho”.
"Se repararmos bem, os órgãos públicos privados têm uma média de idade dos seus profissionais, sobretudo os jornalistas, muito elevada quando comparada com outros setores de actividade”, realça Fernando Ortet, que lamenta a falta de absorção de quadros jovens por causa da falta de recursos.
O presidente da AJOC, Carlos Santos, também entende que o Estado deve reforçar a sua visão na política de incentivos, dando sobretudo “uma atenção particular à imprensa privada, onde muitos órgãos labutam no mar de enormes dificuldades e com sérios riscos de, em alguns casos, fechar as portas”.
Embora nos órgãos públicos as coisas funcionam relativamente bem em termos técnicos, Santos diz que a nível financeiro também se colocam preocupações com realce na Radiotelevisão Cabo-verdiana (RTC), empresa que viu reduzir o bolo das receitas da taxa da rádio e televisão em cerca de 20 por cento, em virtude das verbas terem sido desaviadas para a nova empresa de transmissão digital.
Auto-censura
O arquipélago é sempre avaliado pelas organizações internacionais, como a RSF, como um país onde há liberdade de expressão e de imprensa.
No entanto uma das questões que sempre vem à tona quando são elaborados os relatórios é a auto-censura.
Tanto Santos como Ortet são de opinião que essa realidade se deve à pequenez do mercado e à falta de condições financeiras das empresas de comunicação social, uma situação que leva a que alguns jornalistas se sintam com receio de irem ao fundo no tratamento de certas matérias.
No rol das suas preocupações, Carlos Santos chama a atenção para a necessidade, também, de se introduzir um novo modelo de gestão na agência pública de notícias, Inforpress, regida neste momento por uma única pessoa.
O presidente da AJOC diz ver com satisfação, embora com reservas, a criação do Conselho Independente da RTC que passará a nomear os membros da Administração da empresa pública de rádio e televisão, cujos diretores deixarão de ser nomeados mas selecionados mediante concurso público.
Assinala-se a 3 de maio o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.