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HRW denuncia o drama mundial de pessoas com deficiência psicossocial acorrentadas


Centenas de milhares de pessoas com problemas de saúde mental estão algemadas em todo o mundo, revela um relatório da organização não governamental Human Rights Watch (HWR), divulgado nesta terça-feira, 6.

“Homens, mulheres e crianças, alguns com até 10 anos, são acorrentados ou trancados em espaços confinados por semanas, meses e até anos, em cerca de 60 países da Ásia, África, Europa, Oriente Médio e Américas”, conclui o documento intitulado "Vivendo em cadeias: Acorrentando Pessoas com Deficiências Psicossociais em todo o mundo".

O relatório denuncia que muitos são forçados a comer, dormir, urinar e defecar na mesma área minúscula.

“Em instituições públicas ou privadas, bem como em centros de cura tradicionais ou religiosos, eles são frequentemente forçados a jejuar, tomar medicamentos ou misturas de ervas e enfrentar violência física e sexual”, denuncia o estudo da HRW, que realizou trabalhos de campo em vários países, como Moçambique, Afeganistão, Burkina Faso, Camboja, China, Gana, Indonésia, Quénia, Libéria, México, Nigéria, Serra Leoa, Palestina, o e Estado autodeclarado independente da Somalilândia, Sudão do Sul e Iêmen

“Acorrentar pessoas com problemas de saúde mental é uma prática brutal generalizada, que é um segredo aberto em muitas comunidades”, escreve Kriti Sharma, pesquisadora sénior de direitos das pessoas com deficiência da organização.

Testemunhos em Moçambique

A autora do relatório diz que “as pessoas podem passar anos acorrentadas a uma árvore, trancadas numa gaiola ou galpão de ovelhas porque as famílias lutam para sobreviver e os governos não fornecem serviços de saúde mental adequados.”

Moçambique é o único país lusófono citado no relatório traz, por exemplo, o testemunho Carlos, um homem com deficiência psicossocial que foi acorrentado e tratado contra a sua vontade em instituições de cura pela fé”

“Já fui amarrado várias vezes e recebi remédios amargos pelo nariz ... Eles dão raízes, folhas como remédio. O tratamento nunca foi bem sucedido. A minha mãe e o meu pai vinham fazer turnos, uma vez escapei com a corda amarrada a um tronco, depois eles me pegaram e eu implorei à minha mãe para me trazer para casa, eu sofri muito naquele lugar”, conta Carlos, de 51 anos de idade.

Outro relato, ouvido pela HRW em novembro de 2019, tal como Carlos, é de Fiera, uma mulher de 42 anos com deficiência psicossocial, a quem “as pessoas da vizinhança dizem que estou louca”.

Ela conta que “foi acorrentada, espancada, recebi incenso demoníaco porque eles dizem que você está possuído e colocam um líquido no seu nariz para expulsar o diabo”.

Poucas medidas combater o fenómeno

Embora em muitos países, os governos estejam a dar uma maior atenção à questão da saúde mental, o “acorrentamento permanece praticamente fora de vista”, e “não há dados ou esforços coordenados internacionais ou regionais para erradicar”esse mal.

A HWR indica que nos 60 países visitados, há poucas leis, políticos ou programas em vigor que proíbem ou visam acabar com o acorrentamento de pessoas com problemas de saúde mental.

Para a elaboração do relatório, a HRW entrevistou mais de 350 pessoas com deficiências psicossociais, incluindo crianças e 430 membros da família, funcionários que trabalham em instituições, profissionais de saúde mental, curandeiros religiosos, funcionários de governos e defensores dos direitos das pessoas com deficiência.

Em termos globais, cerca de 792 milhões de pessoas, ou seja uma em cada 10, incluindo uma em cada 5 crianças, têm, pelo menos, um problema de saúde mental, mas, diz a HURW, “mesmo assim, os governos gastam menos de 2% dos seus orçamentos de saúde com saúde mental”.

Tempo de agir

“Acorrentar é normalmente praticado por famílias que acreditam que as condições de saúde mental são resultado de espíritos malignos ou de pecado”, lê-se no relatório, acrescentando que “muitas vezes, as pessoas consultam primeiro religiosos ou curandeiros tradicionais e só procuram os serviços de saúde mental como último recurso.

Em muitos países, as famílias levam parentes - incluindo crianças a partir dos 10 anos - para centros tradicionais ou de cura pela fé, onde são algemados para restrições ou punição.

A HRW faz um apelo aos governos para “agir urgentemente visando eliminar o acorrentamento, reduzir o estigma e desenvolver serviços de saúde mental comunitários de qualidade, acessíveis e baratos”.

“É horrível que centenas de milhares de pessoas em todo o mundo vivam acorrentadas, isoladas, abusadas e sozinhas (…), os governos devem parar de varrer este problema para debaixo do tapeta”, conclui Kriti Sharma.

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