O contador de histórias que “usa o português para falar crioulo”, um escritor que “brinca falando sério, com uma ironia muito refinada”.
A apreciação ao escritor cabo-verdiano Germano Almeida, Prémio Camões de Literatura 2018, é da crítica de arte Ana Cordeiro, radicada em São Vicente, e da professora universitária brasileira Roberta Alves.
Natural da ilha Boavista, Germano Almeida, de 73 anos de idade, é advogado de profissão.
É o mais prolífero escritor cabo-verdiano, com 18 obras, entre elas "O dia das calças roladas", "O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo", "A família trago", "A ilha fantástica", "Os dois irmãos", “O Meu Poeta”, “A Morte do Ouvidor” ou “Memórias de um Espírito”.
Almeida foi traduzido em países como Itália, França, Alemanha, Suécia, Noruega e Dinamarca, e viu duas obras dele transformadas em filme.
Germano Almeida reconhece que não esperava este prémio agora, “mas admitia que no futuro algum cabo-verdiano podia ser premiado outra vez”.
Prémio merecido
Ana Cordeiro, crítica literária e antiga directora do Centro Cultural Português de Mindelo, residente na ilha cabo-verdiana de São Vicente, onde também vive Almeida, é conhecedora profunda das obras do escritor.
Para ela, “o prémio está bem entregue".
A professora universitária brasileira, Roberta Alves, que fez o seu doutoramento sobre o livro “Memórias de Um Espírito”, de Germano Almeida, diz que o galardão “é merecido apesar de, infelizmente, a sua obra não ser muito divulgada”.
Cordeiro aponta Almeida como um “homem completamente livre, talvez o mais livre que conheça”, facto que lhe permite brincar com todos, com tudo e com ele mesmo”.
Boavista é o mundo
Germano Almeida nasceu na Boavista, uma das ilhas menos povoadas de Cabo Verde, mas é a partir dessa ilha, de onde saiu jovem, que ele vê o mundo.
“A Boavista é o mundo para ele”, afirma Cordeiro.
A professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Diamantina, no Estado brasileiro de Minas Gerais, e doutorada em literaturas africanas e língua portuguesa, conheceu Germano Almeida através da oferta do livro "O Testamento do Senhor Napomuceno da Silva Araújo", talvez a mais conhecida obra do autor.
Brinca falando sério
“E foi uma identificação à primeira leitura”, destaca Alves, que encontrou no escritor cabo-verdiano alguém que “brinca falando sério, com uma ironia muito refinada”
Outra obra de Almeida, “Memórias de um espirito”, foi objecto da tese de doutoramento de Roberta Alves.
Ela diz que, ao lado de Machado de Assis, nome consagrado da literatura brasileira, ela trabalhou “a ironia, a memória e a transgressão da morte de Germano Almeida”.
O português de Cabo Verde
Ana Cordeiro considera que que ele “usa o português para falar crioulo”, a língua de Cabo Verde.
O próprio escritor destaca a “língua portuguesa como instrumento”, mas esclarece que escreve “o português de Cabo Verde que nos ajuda a explicar a nossa cultura”.
A professora Roberta Alves é de opinião que Almeida “tem um critério muito refinado de escolha lexical e cada aspecto está relacionado com um personagem, com a própria obra”.
Um contador de histórias com muito humor é como Germano Almeida se define. Diz que “há que se de divertir com a escrita”.
O recurso a personagens do dia a dia preenchem a sua obra com muitos traços do próprio autor.
A sua mais recente obra a ser lançada, na próxima semana, em São Vicente, “O Fiel defunto”, é definida pelo apresentador do livro, o antropólogo Manuel Brito-Semedo, como sendo o próprio Germano. O livro aborda a morte de um advogado.
“O livro é a efabulação da realidade”, explica o escritor ao abordar as personagens que ele reflecte nas suas obras.
Ouça "Artes & Entretenimento" sobre a obra de Germano Almeida: