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Fugir para não ser cúmplice de rebeldes - o drama no centro de Moçambique


Rosita Sete, mãe de quatro filhos, vive no Campo de deslocados do Chibuto 2, Gondola, Manica, Moçambique
Rosita Sete, mãe de quatro filhos, vive no Campo de deslocados do Chibuto 2, Gondola, Manica, Moçambique

Rosita Sete não se lembra como conseguiu carregar no colo quatro filhos menores e correr com eles 18 quilómetros numa picada escura, na única direção onde o céu não estava clareado por balas de um fogo cruzado entre forças estatais e rebeldes na sua aldeia em Macequece, interior de Gondola (Manica).

“Corria desesperada para salvar-me, e também os meus filhos” diz a camponesa de 36 anos, agora dividida entre os traumas de guerra e a luta para sobrevivência depois de deixar tudo para trás, em Abril.

Quase meio ano depois, Rosita Sete partilha com os filhos a barraca precária de dois metros quadrados, feita de estacas e capim, no maior campo de deslocados em Chibuto 2, no interior de Gondola, na província moçambicana de Manica, a região que voltou a experimentar confrontos entre forças governamentais e dissidentes da Renamo.

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“Fugi os disparos para não ser cúmplice de rebeldes” conta Rosita Sete, que lembra que todas as vezes que autocarros eram atacados na N1, a principal estrada de Moçambique, os rebeldes fugiam para as aldeias do interior e o governo acusava a população de dar abrigo e comida aos atacantes.

Rosita é um dos rostos de milhares de deslocados provocados por confrontos entre as Forças de Defesa e Segurança e a autoproclamada Junta Militar da Renamo, resultante da tentativa de repelir ataques do grupo dissidente em estradas e aldeias do interior de Manica e Sofala.

Estatísticas do governo de Manica indicam que 1.772 pessoas deixaram aldeias do interior de Gondola, e se alojaram em três campos de deslocados fugindo dos confrontos entre as forças estatais e o grupo rebelde.

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O número não inclui outras centenas de pessoas que procuraram abrigo em residência de parentes e províncias vizinhas de Manica.

“Ninguém sabia qual seria a dimensão dos ataques dos terroristas (rebeldes), por isso fugimos em busca de abrigo” diz, Salomão José um outro deslocado, que resume a convivência no campo de deslocados como “autêntico sofrimento”, e quer voltar à normalidade na sua pacata aldeia de Macequece.

Crianças no campo de deslocados do Chibuto 2, Gondola, Manica, Moçambique
Crianças no campo de deslocados do Chibuto 2, Gondola, Manica, Moçambique

Quase a totalidade dos deslocados depende da agricultura, mas a produção foi perdida nos campos durante o conflito por falta sacha e, agora vivem dependentes de ajuda humanitária que chega a conta gotas, quando falta água potável até vestuários.

Num escaldante sol de início de verão, Rosa Sete, sorri enquanto prepara a única refeição do dia, que depois serve partilhando o mesmo prato com os quatro filhos, e jura não querer aquela vida para os filhos.

O mesmo sorriso murcha ao anoitecer quando lembra que vai partilhar o único cobertor com os filhos, e as vezes enfrenta o frio em branco, para dar aconchego o cassula da casa.

“Tem sido uma vida difícil, o governo devia nos apoiar mais” observa a camponesa, que espalha gargalhadas para esconder a dura realidade no campo de deslocados de Chibuto 2.

Do total dos deslocados, que correspondem a 287 famílias em Gondola, 256 famílias (1.557 pessoas) encontram-se em abrigos precários em dois campos improvisados de deslocados nas aldeias de Chibuto e Muda Serração, a sul do posto administrativo de Inchope, segundo dados do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) de Manica.

Outras 31 famílias (215 pessoas), que fugiram dos ataques nas aldeias de Mucorodzi, Madziachena e Pindanganga, mais a norte do distrito de Gondola, estão distribuídas em vários abrigos e residências de parentes nas periferias da vila sede distrital e no bairro Cuzuana, no posto administrativo de Cafumpe, indicam os mesmos dados.

A zona centro de Moçambique foi historicamente palco de confrontos armados entre forças governamentais e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) até dezembro de 2016, altura em que as armas se calaram após um cessar-fogo, tendo a paz sido selada num acordo subscrito em 06 de agosto de 2019.

Um ano depois do acordo continuam relatos de ataques, atribuídos pelas autoridades, a autoproclamada Junta Militar, que contesta a liderança da Renamo por Ossufo Momade, e defende a renegociação do seu desarmamento e reintegração na sociedade.

Enquanto o futuro continua incerto, as crianças no campo de deslocados jogam mata-mata: uma brincadeira infantil que se resume em quem finta mais a bola lançada à mão a partir dos dois extremos. Quem for atingido, "morre" numa jogada que se resume à realidade daquela população.

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