A eventual extradição do antigo ministro moçambicano das Finanças, Manuel Chang, para os Estados Unidos, vai afectar, ainda mais a imagem de Moçambique, já de si bastante manchada pelo escândalo das dívidas ocultas, consideram analistas.
O Tribunal Constitucional sul-africano chumbou o recurso de Moçambique para que Chang regresse ao país, mas para os entendidos de Direito, ainda existem algumas fases de procedimentos a ter em conta, antes que o antigo governante moçambicano fique pronto para ser extraditado para os Estados Unidos, nomeadamente, o recurso pendente no Supremo Tribunal de Bloemfontein.
Relativamente à controvérsia se Manuel Chang deve vir a Moçambique ou ir para os Estados Unidos, o analista Fernando Lima diz haver duas percepções diferentes, uma governamental ou partidária, e a outra da opinião popular.
"Claramente, a opinião popular acha que Manuel Chang deve ir aos Estados Unidos, porque se pensa que lá haverá muito mais informação que poderá ser liberta em relação à questão das dívidas ocultas, e que o julgamento em Moçambique será muito mais condicionado", realça aquele analista.
Lima avançou que as autoridades do dia têm que fazer todos os seus esforços para que Manuel Chang venha a Moçambique, "porque há uma suspeição de que antes de o ex-ministro ser detido na África do Sul, as autoridades moçambicanas não tinham feito tudo o que deviam ter feito, no sentido de acautelar a sua presença nas instâncias judiciais, já que, na altura, era óbvio que ele estava envolvido no processo".
Presunção de inocência
Muitas pessoas se interrogam porquê a obcessão da Procuradoria-Geral da República em querer Manuel Chang em Moçambique, e para Lima, para além dos aspectos de natureza política já explicados, há também uma questão formal.
E isso tem a ver com o facto de que Chang era ministro e goza da presunção de inocência, "logo, a PGR e outras instâncias jurídicas de Moçambique, não podem consentir que o seu ex-membro do Governo seja deixado ao arbítrio da justiça de outro país, ou seja, não podem consentir que os procedimentos no exterior prevaleçam sobre os procedimentos em Moçambique, e a posição da PGR é que o cidadão moçambicano deve ser julgado em Moçambique".
À pergunta o que pode representar para Moçambique, em termos de imagem, esta decisão do Tribunal Constitucional sul-africano, Lima respondeu que "claro que isto afecta a imagem, mas Moçambique saíu muito afectado por todo o escândalo das dívidas ocultas".
"Mas", realçou o analista, "a extradição não acontece só em Moçambique ou na África do Sul; na América Latina, os países afectados pelo flagelo do tráfico de drogas, preferem que os principais traficantes sejam extraditados para os Estados Unidos a serem mantidos em prisão e em julgamento nos seus próprios países, porque a dimensão deste flagelo já chegou a tal nível que, muitas vezes, este tipo de acções põe em causa a própria estabilidade do Estado".
Para o analista Manuel Alves, com o chumbo do recurso para que Manuel Chang volte para Moçambique, a imagem do país fica mais beliscada ainda, porque já estava na sequência do escândalo das dívidas ocultas.
Alves considera, no entanto, que "relativamente à candidatura de Moçambique a membro não permanente do Conselho de segurança das Nações Unidas, penso que não terá uma influência directa, porque o processo está em fase muito avançada".
"Mas, no cômputo geral, a imagem do país está beliscada, porque não era sua pretensão que Manuel Chang fosse julgado nos Estados Unidos, apesar de que a maioria dos moçambicanos quer que o antigo ministro das Finanças seja julgado naquele país ".
Coerência sul-africana
Por seu turno, a analista Estrela Charles, sauda a atitude da justiça sul-africana, "porque isto mostra a sua coerência em relação aos processos, uma vez que desde o início, a justiça sul-africana deixou claro que Manuel Chang deve ser extraditado para os Estados Unidos, e, claramente, Moçambique não está preparado juridicamente para fazer face a este assunto".
Ela anotou que muitos moçambicanos não acreditam que este processo seja resolvido em Moçambique, pelo que, para eles, é muito melhor que Manuel Chang seja julgado nos Estados Unidos, porque é lá onde, provavelmente, poderão sair mais detalhes do processo das dívidas ocultas".
Charles também considerou que "neste momento, a imagem de Moçambique, que já estava muito beliscada por causa das dívidas ocultas, fica mais afectada ainda, mas, se calhar, esta pode ser uma boa oportunidade que o país tem, para mostrar que está aberto para que o julgamento ocorra nos Estados Unidos e que nada tem a temer em relação àquilo que poderá ser revelado nesse julgamento".
Entretanto, uma fonte da Procuradoria-Geral da República de Moçambique, citada pela televisão pública, TVM, disse que a instituição já foi notificada sobre a decisão do Tribunal Constitucional da África do Sul, sem, no entanto, dar pormenores.