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Direitos Humanos: Moçambique foi palco de incidentes de violência grave e intimidação eleitoral em 2023


Um homem segura um cartaz durante os protestos da Renamo contra os resultados das eleições autárquicas em Maputo, a 17 de outubro de 2023
Um homem segura um cartaz durante os protestos da Renamo contra os resultados das eleições autárquicas em Maputo, a 17 de outubro de 2023

Relatório sobre os Direitos Humanos no Mundo em 2023 dos EUA reconhece que o Executivo tomou medidas credíveis, mas a impunidade é um problema significativo

No ano de 2023, Moçambique foi palco de vários incidentes de violência grave e intimidação eleitoral, durante o processo das autárquicas de outubro, com reações violentas da polícia aos protestos de apoiantes da oposição contra a forma como decorreu o processo eleitoral.

O ano foi também marcado por forte assédio aos meios de comunicação social durante os processos de votação e apuramento dos resultados, de acordo com o Relatório sobre os Direitos Humanos no Mundo em 2023, publicado pelo Departamento de Estado americano, na segunda-feira, 22, em Washington.

O documento, no entanto, diz que o Governo moçambicano tomou medidas credíveis para investigar, processar e punir alguns funcionários que cometeram violações dos direitos humanos, contudo a impunidade continua a ser um problema.

O cenário descrito inclui execuções ilegais ou arbitrárias, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, duras condições duras e com a vida em risco, prisão ou detenção arbitrária, abusos graves devido ao conflito em Cabo Delgado, com mortes e danos ilegais, raptos, abusos físicos e violência ou punição sexual relacionada com a gerra e utilização ilegal de crianças-soldados por organizações privadas.

Cabo Delgado, um cenário propício para violações de direitos

Os relatores apontam ainda "restrições graves à liberdade de expressão e à liberdade dos meios de comunicação social, incluindo violência e ameaças de violência contra jornalistas e detenções ou processos judiciais injustificados de jornalistas, interferência substancial na liberdade de reunião pacífica, corrupção governamental grave, violência generalizada baseada no género e falta de investigação e responsabilização por tais atos e a existência das piores formas de trabalho infantil".

O documento do Departamento de Estado americano lembra que durante o ano o Estado Islâmico-Moçambique "continuou a perpetrar ataques violentos contra as forças de segurança do Estado e populações civis na província de Cabo Delgado", mas com operações conjuntas das forças ruandesas, e separadamente com as forças da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, as Forças de Defesa e Segurança "recuperaram o território tomado pelo Estado Islâmico-Moçambique, permitindo que muitas pessoas deslocadas regressassem às suas casas e que alguns serviços governamentais fossem retomados".

Apesar de avanços e recuos, organizações de defesa dos direitos humanos, meios de comunicação social e o Governo relataram que "terroristas cometeram violações dos direitos humanos contra civis, que incluíram decapitações, raptos e utilização ilegal de crianças-soldados", além de terem deslocado civis à força, incendiado casas e destruido infra-estruturas.

Por seu lado, "os abusos das forças de segurança incluíram alegadamente prisões e detenções arbitrárias e execuções extrajudiciais, as autoridades investigaram alguns relatos de abusos, mas poucas pessoas foram acusadas e processadas", diz o relatório.

"Houve relatos de que o Governo ou os seus agentes cometeram execuções arbitrárias ou ilegais, incluindo execuções extrajudiciais, durante o ano", lê-se no documento que cita notícias da imprensa que "atribuíram abusos a membros das forças de segurança, incluindo as Forças Armadas de Defesa de Moçambique, a Polícia Nacional (PRM), a Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da PRM e milícias locais afiliadas ao Governo na província de Cabo Delgado".

A Procuradoria-Geral, responsável por investigar e processar os autores de assassinatos cometidos por forças de segurança, segundo grupos da sociedade civil, "não investigou muitas denúncias de abusos".

Os raptos do empresários também são citados no relatório, mas sem resultados.

Falta de proteção das liberdades

No domínio das liberdades, o relatório do Departamento de Estado americano afirma que o "Governo nem sempre protegeu ou respeitou eficazmente estas liberdades" e cita que "académicos, jornalistas, representantes dos partidos da oposição e organizações da sociedade civil relataram uma atmosfera de intimidação e medo que restringia a liberdade de expressão, de imprensa e de outros meios de comunicação".

Os jornalistas expressaram preocupação relativamente à intimidação do Governo por parte das forças de segurança, especialmente a polícia, e "afirmaram que praticavam a autocensura devido ao receio de retaliação oficial".

O Comité para a Proteção dos Jornalistas, diz o documento, relatou que cinco agentes da polícia fronteiriça na província da Zambézia espancaram em Janeiro o jornalista de rádio Rosario Cardoso com cassetetes depois dele os ter acusado de obter subornos.

Cardoso também alegou que os funcionários da esquadra da polícia local inicialmente se recusaram a registar a sua queixa, mas acabaram por ceder.

Oposição também desrespeita

Os relatores também citam o Instituto de Comunicação Social da África Austral em Moçambique (MISA) que denunciou que "o presidente da cidade de Nampula, membro do partido da oposição Renamo, recusou em Junho permitir que dois repórteres da emissora estatal TV Moçambique, a quem acusou de parcialidade, assistissem a uma reunião municipal evento".

O autarca "também confiscou o telemóvel de um jornalista do jornal Wampula Fax que ele acusou de ser `um espião”.

Dirigentes da sociedade civil, citados no relatório,"alegaram que o Governo influenciou a gestão das estações de rádio comunitárias através de ameaças e coerção", enquanto um ativista afirmou que, "sob pressão do Governo, algumas estações de televisão censuraram o conteúdo das entrevistas relativas às manifestações de março em homenagem ao falecido rapper e ativista social Azagaia".

Repressão forte a manifestações pacíficas

No domínio de manifestações e associações, o documento diz que líderes da sociedade civil relataram casos de intimidação policial ao entregar petições aos departamentos do Governo

"As forças de segurança responderam por vezes às manifestações pacíficas com violência e detenções", escrevem os relatores que indicam, que, em março, os cidadãos manifestaram-se pacificamente em todo o país para homenagear o popular rapper e activista social Azagaia, mas a "polícia respondeu com intimidação, dispersão da multidão com gás lacrimogéneo, detenções de alguns manifestantes e, em alguns casos, violência".

Em Julho de 2022, a polícia impediu representantes da sociedade civil de realizarem uma vigília por Macassar Abacar, um homem que morreu sob custódia policial em Maputo, tendo as autoridades argumentado "que a vigília poderia ter levado à desordem pública".

Deslocados em situação vulnerável

Com o país a enfrentar instabilidade e desastres ambientais, a Organização Internacional para as Migrações estimou que, em junho, havia aproximadamente 834 mil deslocados internos e que aproximadamente 313 mil pessoas quepermaneciam deslocadas devido a ciclones catastróficos desde 2019.

"As organizações continuaram a relatar que as mulheres e raparigas deslocadas continuavam em alto risco de sofre violência baseado no género, e os relatos de abusos a incluíram sexo com autoridades locais e agentes de segurança em troca de alimentos e outros produtos essenciais", denuncia o relatório.

As organizações internacionais que apoiam os deslocados "afirmaram que as mulheres relataram um aumento da agressão e da violência por parte dos parceiros masculinos porque foram excluídas dos sistemas de proteção social".

Entretanto, o Departamento de Estado, no seu relatório, reconhece que o Executivo de Moçambique tomou medidas credíveis para investigar, processar e punir alguns funcionários que cometeram violações dos direitos humanos, contudo, "a impunidade entre os membros das forças de segurança do Estado, os agentes responsáveis pela aplicação da lei e as autoridades civis continua a ser um problema significativo".

O Governo não reagiu ao relatório.

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