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Empregos, não doutrina, o engodo para os jihadistas africanos


Soldado senegalês participando em exercício militar Flintlock, em Thies (Fevereiro 2016, arquivo)
Soldado senegalês participando em exercício militar Flintlock, em Thies (Fevereiro 2016, arquivo)

A pobreza e a perspectiva de trabalho mais bem pago, em vez de ideologia, são o que alimenta o recrutamento para grupos jihadistas e outros grupos violentos em África, segundo estudo das Nações Unidas.

A conclusão lança dúvidas sobre o que tem sido explicação convencional de que a doutrina religiosa é o principal atractivo para alguém se juntar a grupos como Boko Haram, al-Shabaab e o Grupo de Apoio ao Islão e aos Muçulmanos ligado à Al-Qaeda (GSIM).

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2021 entrevistou quase 2.200 pessoas em oito países dilacerados por grupos jihadistas ou outros grupos violentos -- Burkina Faso, Camarões, Chade, Mali, Níger, Nigéria, Somália e Sudão.

As entrevistas incluíram quase 1.200 antigos membros de grupos extremistas, dos quais cerca de 900 tinham aderido voluntariamente enquanto os outros tinham sido coagidos.

Combatentes al-Shabab armados à saída da capital Mogadíscio, na Somália, 8, Dezembro 2008 (arquivo)
Combatentes al-Shabab armados à saída da capital Mogadíscio, na Somália, 8, Dezembro 2008 (arquivo)

Dos que tinham aderido voluntariamente, um quarto disse que a perspectiva de trabalho remunerado tinha sido o seu principal motivo, disse o PNUD num relatório.

Isto marca um aumento de 92 por cento para essa justificação, em comparação com o seu relatório anterior sobre a questão em 2017.

"Em muitos países... a falta de rendimentos, a falta de oportunidades de emprego, meios de subsistência, desespero está essencialmente a levar as pessoas a aproveitar as oportunidades com quem as oferece", disse Achim Steiner, chefe do PNUD, aos jornalistas.

Residentes atravessam o rio Niger, perto de Segou, 240 quilómetros da Norte de Bamako. (arquivo)
Residentes atravessam o rio Niger, perto de Segou, 240 quilómetros da Norte de Bamako. (arquivo)

Outros 22 por cento disseram que se juntaram para estar com a família ou amigos.

Mas as motivações religiosas ficaram em terceiro lugar, citadas por apenas 17 por cento como a principal razão para se juntarem àqueles grupos.

'Ponto de viragem' -

Em contraste, quase metade dos inquiridos citou um evento específico que também os levou a aderir - 71% apontou um abuso, muitas vezes por parte das forças de segurança do Estado, como "o ponto de viragem".

"É uma das tristes realidades que, no contexto da tentativa de combater o extremismo violento, muitas vezes o próprio Estado torna-se um factor que desencandeia (o processo) ", disse Steiner.

Definir correctamente o que está a conduzir ao extremismo violento na África subsariana é vital, numa altura em que a região está a assistir a um número crescente de ataques.

As mortes causadas pelo terrorismo em todo o mundo têm diminuído nos últimos cinco anos, mas os ataques a sul do Saara mais do que duplicaram desde 2016, disse o PNUD.

Burkina Faso, danos no Café Cappuccino, em Ouagadougo, após ataque da Al-Qaeda do Magrebe Islâmico (Janeiro 2016, arquivo)
Burkina Faso, danos no Café Cappuccino, em Ouagadougo, após ataque da Al-Qaeda do Magrebe Islâmico (Janeiro 2016, arquivo)

Entre 2017 e 2021, houve 4.155 ataques nos oito países listados no relatório, disse o PNUD, colocando o número de mortes resultantes em mais de 18.400.

Em 2021, quase metade de todas as mortes relacionadas com o terrorismo ocorreram nesta região, com mais de um terço em apenas quatro países: Somália, Burkina Faso, Níger e Mali.

Epicentro do extremismo

" A África Subsaariana emergiu como... o epicentro global do extremismo violento nos últimos anos", alertou Steiner.

A mudança tem atraído relativamente pouca atenção internacional, numa altura em que o mundo está a recuperar da pandemia de Covid, das crises climáticas e da guerra na Ucrânia, disse a agência.

O PNUD apelou a uma estratégia preventiva para tirar o apelo às promessas dos recrutadores.

Apelou ao investimento no bem-estar e educação das crianças e à ajuda para reabilitar aqueles que desejam abandonar as fileiras dos extremistas.

"A investigação mostra que aqueles que decidem afastar-se do extremismo violento têm menos probabilidades de voltar a juntar-se e recrutar outros", disse Nirina Kiplagat, líder técnico do PNUD na prevenção do extremismo violento em África.

"É por isso que é tão importante investir em incentivos que permitam o desengajamento".

"As respostas anti-terroristas orientadas para a segurança são frequentemente dispendiosas e minimamente eficazes, no entanto, os investimentos em abordagens preventivas do extremismo violento são terrivelmente inadequados", disse Steiner.

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