A votação do pedido de impugnação da Presidente Dilma Rousseff no plenário da Câmara dos Deputados neste domingo, 17, é o ponto mais grave da crise política nas últimas décadas.
Os dois lados têm afirmado nos últimos dias que possuem os votos necessários: o Governo para barrar a impugnação e a oposição para aprovar o pedido de abertura de processo contra a Roussef.
A situação da Presidente agravou-se na última semana com a debandada de parlamentares da base aliada, como os do PP e do PSD, depois do abandono do PMDB da coligação governamental, até então o maior aliado do PT.
O clima no Congresso parecia amplamente favorável à oposição até quinta-feira, mas entre sexta e sábado surgiram sinais de que o Governo começou a reverter alguns votos a seu favor, atraindo alguns indecisos e tornando o desfecho da votação no domingo ainda mais incerto.
Para a impugnação ser aprovada, são necessários os votos de 342 deputados, ou dois terços da Câmara dos Deputados.
Caso a Câmara autorize a instauração do processo de impugnação de Rousseff, o Senado terá de decidir se referenda a decisão dos deputados.
Caso o faça, a petista será afastada temporariamente da Presidência até a conclusão do seu julgamento e será substituída pelo vice-presidente Michel Temer, PMDB.
Se for condenada, Dilma Rousseff é segunda Chefe de Estado brasileira a ser impugnação, depois de Fernando Collor de Mello, em 1992.
Vida difícil
Reeleita em Outubro de 2014 pela margem mais estreita desde a redemocratização do país, Dilma Rousseffnão teve vida fácil desde o início do mandato, tanto na área política como económica.
Ao contrário das eleições anteriores, quando o candidato derrotado no segundo turno das eleições assumia uma oposição moderada ao novo Governo, tanto o senador Aécio Neves (PSDB-MG) como muitos de seus eleitores decidiram não dar trégua a Dilma Rousseff.
Pouco depois das eleições, o PSDB entrou com recurso para pedir a recontagem dos votos e com acções na Justiça Eleitoral a pedir a cassação da dupla vencedora, Dilma Rousseff e Michel Temer.
Um factor decisivo na relação do Governo com o Congresso foi a eleição à presidência da Câmara do deputado Eduardo Cunha, do PMDB; no início de fevereiro de 2015.
Apoiado em grande parte devido ao descontentamento da coligação com o Governo, Cunha assumiu uma postura muito mais independente - e algumas vezes até de hostilidade - em relação ao Executivo do que qualquer outro presidente da Câmara, num relacionamento que se foi deteriorando rapidamente até levar ao divórico do parlamentar com o Governo em Julho do ano passado.
Antes disso, grandes manifestações em todo o país em Março e Abril de 2015 começavam a direccionar o descontentamento de grande parte da população contra o Governo federal e a Dilma do que havia ocorrido nos protestos de Junho de 2013.
Ao mesmo tempo, a economia brasileira entrava numa das recessões mais profundas da história do país, em meio a forte desequilíbrio fiscal, inflação elevada e desemprego cada vez maior.
Para tentar reorganizar as contas públicas, Dilma e o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, adoptaram um ajuste fiscal que contrariava em grande medida o discurso da campanha eleitoral que reelegeu a presidente.
A acentuada deterioração aa economia levou a popularidade de Dilma a quedas recordes consecutivas, e não demorou muito para a palavra impugnação começar a ser mencionada em alguns sectores.
Lava Jato
Novas fases da operação Lava Jato, que investiga um esquema multimilionário de corrupção, envolviam cada vez mais políticos do PT e aproximavam o escândalo do Governo com prisões.
Mas não só o Governo.
O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha é alvo de inquéritos, assim como o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a preocupação com o andamento das investigações é muito grande entre parlamentares.
Para piorar ainda mais a situação,o antigo Presidente Lula da Silva tornou-se alvo de uma série de denúncias, que levariam finalmente a uma condução coercitiva em Março para depoimento na Lava Jato e a um pedido de prisão preventiva pelo Ministério Público de São Paulo, por acusações de ocultação de património e supostas ligações com empreiteiras investigadas na operação.
No meio disso tudo, o acirramento político no país, não apenas dentro do Congresso Nacional, mas especialmente nas ruas, foi formando um ambiente de profundas radicalização.
Nesse cenário, a impugnação de Dilma Rousseff poderia ser o primeiro passo numa tentativa de superar a crise político-económica do Brasil, mas pode também servir para aprofundar ainda mais as divisões existentes.
"A impugnação é uma janela de oportunidade para a interrupção do impasse político", disse o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, num possível cenário positivo para um processo traumático como é o da impeachment, embora avalie que por si só não garantirá o fim da crise.