No seu discurso sobre o Estado da Nação, proferido na última terça-feira, 15, em Luanda, o Presidente João Lourenço destacou os vários desafios que o sector da educação enfrenta em Angola, muito particularmente sobre a qualidade de ensino. Contudo, analistas referem que a mensagem do Chefe de Estado sobre o sector da educação são teorias repetidas todos os anos, quando, na prática, as crianças continuam sem merenda escolar, sem manuais de ensino, sem acesso à escola, assistindo-se no país uma educação de qualidade questionável.
Na apresentação do Estado da Nação, marcada pela presença de membros do governo, deputados, membros da sociedade e todo o corpo diplomático acreditado em Angola, João Lourenço enfatizou, no domínio da economia e finanças a estabilidade e robustez das finanças públicas de Angola, destacando que essas condições “permitem a implementação de um conjunto de medidas e investimentos voltados para o bem-estar dos angolanos, com ênfase nos domínios da saúde e da educação”.
O Presidente mencionou que, neste ano, o Governo construiu 80 novas escolas, o que representa 729 salas de aulas, o que vai resultar em mais 237.689 para alunos comparativamente a 2023, totalizando 1,6 milhões de vagas disponíveis para alunos da iniciação e a primeira.
O Chefe de Estado sublinhou a importância do capital humano, destacando que 20.703 professores novos foram contratados nos últimos anos.
João Lourenço reconheceu a necessidade de construir mais infraestruturas e de melhorar a qualidade do ensino. Referiu-se ao programa de merenda escolar, que beneficiou mais de um milhão de alunos no ano passado, e apelou ao sector privado para apoiar essa iniciativa social.
“Não ignoramos naturalmente os desafios que se nos colocam no domínio da qualidade de ensino. A qualidade do professor reflete-se na qualidade de ensino e esta na qualidade dos alunos. Precisamos de aumentar o investimento na formação dos nossos professores para estarem cada vez mais bem preparados para educar os quadros de que o país precisa”, sublinhou o Chefe de Estado que, por outro lado reconheceu o empenho dos professores na formação e qualificação dos recursos humanos do país.
Francisco Teixeira, Presidente do Movimento de Estudantes Angola, mostra-se cético em relação a este discurso que parece repetitivo e distante da realidade, do ponto de vista da sua implementação. “Eu gostaria que saíssem da realidade para prática. Mais do que discursos deveríamos partir para a prática, porque o partido-estado já governa há mais de 50 anos e, estes problemas já deviam ser ultrapassados”, frisou o ativista que considera a educação pública sequestrada pela elite angolana, pois que, diz o responsável, “o problema não é dinheiro, mas é vontade política. Se houver vontade, esta situação vai ser ultrapassada”.
Por sua vez, Scoth Kambolo docente universitário, refere que o Presidente da República esteve bem no seu discurso do ponto de vista teórico ao manifestar preocupação e reconhecimento do número de crianças fora do sistema normal de ensino, da necessidade de todos os alunos do subsistema de ensino primário terem direito à merenda escolar e do acesso ao material didático. Mas, aquele antigo professor do Ensino Primário diz que, na prática, a realidade é totalmente contrária.
Por outro lado, Kambolo fala da necessidade de construção de escolas “de facto” cujo modelo se adequa às necessidades de ensino no país.
“O modelo de escola que estamos a construir não ajuda muito a diminuir o impacto negativo que tem o acesso das crianças ao ensino. Falta construirmos escolas de facto. Estamos a construir escolas com 3,4 5 ou 6 salas de aulas. Devemos evoluir construindo escolas com mais de 10 salas em que os alunos possam praticar arte, cultura e desporto, sendo polivalente”, sublinhou.
O Presidente também reafirmou o compromisso do governo com programas de alfabetização, garantindo que jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de aprender não sejam deixados para trás. Destacou a importância da educação especial e a necessidade de promover a inclusão.
Por fim, João Lourenço incentivou a criação de melhores condições para que os cidadãos angolanos, especialmente a juventude, leiam mais sobre a rica história e cultura do país, afirmando que isso é essencial para formar uma geração capaz de compreender e resolver os problemas do futuro.
A fotografia sobre o estado do sector da educação apresentada pelo chefe do Governo angolano omitiu alguns aspetos importantes, na visão do docente e ativista Scoth Kambolo, pois que, no país ainda se assiste alunos a terem aulas de baixo de árvores e muitas vezes sem quadro e, professores sem condições de trabalho.
“Aquele professor que está na sala de aulas, aquele director que está na escola (...) Sentiu e viu na fotografia apresentada pelo Presidente alguma omissão. Porque, de infraestruturas nós precisamos muito, de condições de trabalho, também precisamos muito, de carteiras, pior ainda. Ainda se dá aulas debaixo das árvores em Angola. Ainda há espaços que só são salas de aulas por que tem professores e alunos e o quadro preto, nem é quadro preto”, salientou o professor de carreira, parta quem “devemos falar e mostrar ao Presidente da República que é possível fazer melhor. E se houve dinheiro, alguém desviou”.
A questão da merenda escolar e dos manuais de ensino são situações recorrentes no sistema educativo angolano, obrigando as crianças a pagarem as consequências pela falta de livros, segundo o líder do MEA - Movimento do Estudantes Angolanos.
“Este é o segundo ano que as crianças não recebem livros. Não há qualquer explicação.
Nós gostaríamos que o Presidente explicasse por que o ano passado não houve livros. Nós gostaríamos que estes livros parassem nas mãos dos estudantes. Eles só valem quando estiverem nas mãos dos estudantes”, frisou.
Francisco Teixeira considerou por fim a educação pública em Angola está remetida para o abandono, com um excessivo número de crianças fora do sistema de ensino (mais de 9 milhões) estando o Ministério da Educação a proporcionar uma educação primitiva e não inclusiva que põe de parte as crianças com necessidades especiais.
Para o Presidente do MEA, a educação enquanto direito todos deveriam ter acesso, logo o Presidente da República deveria dar uma explicação sobre este assunto em solidariedade as crianças fora do sistema de ensino.
“Vimos uma luz no fundo túnel no que toca a distribuição de livros e a merenda escolar. Mas não podemos estar satisfeitos porque, tudo isto ainda são meras promessas, são meras esperanças. As crianças não se alimentam de promessas, as crianças não se alimentam de esperanças e as esperanças não permitem as crianças abrirem o livro e ler”, disse o ativista que apelou, no final da entrevista concedida à Voz da América em Luanda, que o Governo fosse mais concreto e deixasse os discursos políticos “porque o país tem dinheiro”, concluiu.
A cerimónia de apresentação do discurso sobre o Estado da Nação foi marcada por contestação de alguns deputados da oposição que enquanto João Lourenço discursava faziam apupos e levantavam cartazes onde se podia ler frases como "Presidente demita-se", "o povo tem fome", "liberte os presos políticos" ou "acabe com a ditadura".
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