O Brasil vive uma crise hídrica sem precedentes, que modifica profundamente os hábitos em um país acostumado à abundância e ao desperdício.
As regiões nordeste e sudeste brasileiras, que concentram a maior parte da população, vivem ameaçadas pela falta de água até para beber.
Governadores dos Estados mais afetados têm recorrido ao Governo da presidente Dilma Rousseff(PT) para pedir recursos para obras emergenciais, que vão precisar ser feitas, “do dia para noite”, para o enfrentamento do problema.
O maior exemplo da gravidade da situação brasileira é a cidade de São Paulo, atingida pela pior seca em mais de 80 anos.
O Governo do Estado chegou a admitir que pode adoptar um rodízio que deixaria a população, da maior cidade do país e da América Latina, sem água quase a semana inteira.“Precisaria de um rodízio de dois dias com água por cinco dias sem água”, afirmou o director de operações da companhia de abastecimento de São Paulo, a Sabesp, Paulo Massato.
O Estado de Minas Gerais, o segundo mais populoso do Brasil, também está a ponto de decretar medidas drásticas, como anunciou o Governo recém-eleito de Fernando Pimentel (PT). “A meta é reduzir 30 por cento do consumo de água na Região Metropolitana da Capital Belo Horizonte, nos próximos meses. Se a medida não for suficiente, vamos para o rodízio, se não for suficiente vamos para o racionamento, infelizmente essa é a realidade”, afirmou.
A crise hídrica vai atingir até uma das maiores tradições, que sempre projectou o Brasil internacionalmente, o Carnaval. As escolas de samba do Rio de Janeiro, que iriam usar água nos carros alegóricos, substituíram o recurso por efeitos especiais.
Mas, há situação pior. Muitas cidades brasileiras que têm Carnaval de rua suspenderam a festa. Só no Estado de Minas Gerais 15 cidades já anunciaram o fim da folia.
Em muitas cidades, onde isso não aconteceu, a população assustada com a falta de água pede que os turistas desistam de seguir para os locais, como faz o motorista Rafael Viana, de Pará de Minas (MG).“O pessoal que está vindo para cá para pular Carnaval não precisa vir. Vai morrer todo mundo de sede. Não tem água nem para o morador”, afirma.
As mudanças climáticas podem estar relacionadas com a crise da falta de água no Brasil, mas é claro que o país se mostra despreparado para enfrentar um problema que já vinha sendo anunciado.
O especialista Marcus Vinícius Polignano avalia que o Brasil precisa reconhecer definitivamente a gravidade da crise. "Nós temos que entender que estamos passando por uma crise ambiental de uma profundidade enorme. Nós vamos ter que conviver com ela e tomarmos medidas no sentido de sairmos da política da abundância para uma política de restrição", defendeu.
Para o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre água e saneamento, Léo Heller, o Brasil erra hoje, pelo menos, em três frentes. O primeiro nível é má gestão que faz com que o uso da água pelas mineradoras, agricultura, indústria coloque em risco o consumo humano. "Se está havendo escassez de água para consumo humano em detrimento de um uso elevado e às vezes irracional para esses outros fins há uma falha de gestão aí, esse seria o primeiro nível", disse.
Para o analista, o Brasil precisa planear melhor a disponibilidade das fontes de água. "Os sistemas de produção de água precisam estar preparados para isso. Se não são suficientes, é necessários construir outros, buscar outros mananciais, pensar em algumas transposições de uma bacia para outra, pensar nos mananciais subterrâneos, reaproveitamento directo da água de chuva até a reutilização de esgotos tratados". explica.
O terceiro nível de deficiência brasileira está relacionado com a demanda da água. "Não é admissível perdermos 30, 40 por cento da água. O outro nível é reduzir os desperdícios, a água que perdulariamente a população utiliza na sua casa”, conclui Heller.