A organização não governamental Comité de Proteção de Jornalistas (CPJ) considera que ataques a três profissionais de comunicação durante os protestos que eclodiram depois das eleições de 9 de outubro de 2024 são sintomáticos da deterioração das condições dos jornalistas nos últimos meses.
Numa nota divulgada nesta quinta-feira, 6, na sua página, a organização com sede em Nova Iorque cita os casos do blogger Albino Sibia, conhecido por Mano Shotas, o repórter Pedro Júnior e o editor e ativista Arlindo Chissale.
"Ajuda. Levei um tiro e eles continuam a disparar… Estou a morrer”, foram algumas das últimas palavras que o blogger moçambicano Albino Sibia transmitiu em direto na sua página no Facebook a 12 de dezembro de 2024, depois de um polícia lhe ter disparado duas vezes nas costas enquanto filmava a ação policial contra os manifestantes.
O CPJ lembra que Sibia, também conhecido por Mano Shottas, morreu cerca de quatro horas depois, enquanto era levado de uma clínica local para um hospital.
Em declarações àquela organização, a viúva de Sibia, Vânia Tembe, afirmou que a polícia “não o deixou descansar nem no funeral” ao disparar sobre os presentes, provocando a morte de duas pessoas e ferindo o repórter Pedro Júnior, que cobria o funeral no dia 14.
Noutro incidente separado, o editor do portal Pinnacle News e ativista, Arlindo Chissale, foi detido por um grupo de homens, alguns dos quais estariam em uniforme militar, na província de Cabo Delgado, e depois foi encontrado morto.
“Os ataques aos três jornalistas, as mais recentes violações contra os meios de comunicação social moçambicanos, são sintomáticos da deterioração das condições dos jornalistas desde as eleições contestadas de outubro de 2024. Todos os três jornalistas comentaram ou relataram os protestos nacionais que se seguiram às eleições, durante os quais os agentes de segurança foram acusados de uso excessivo de força, resultando na morte de pelo menos 300 pessoas”, escreve o CPJ.
O coordenador do programa África do CPJ, em Nairobi, afirmou que “os jornalistas moçambicanos pagaram um preço elevado ao reportar notícias no meio da agitação e da crise pós-eleitoral”.
Muthoki Mumo acrescentou que “as autoridades devem garantir a responsabilização no assassinato de Albino Sibia e no ataque a Pedro Júnior, e investigar com credibilidade o desaparecimento de Arlindo Chissale”.
Os casos
Albino Sibia, de 30 anos, estava a filmar a polícia a lançar gás lacrimogéneo em casas para dispersar um protesto na cidade fronteiriça de Ressano Garcia quando um polícia disparou sobre ele.
José Chilenge, um dos manifestantes, disse ao CPJ que testemunhou um polícia a dizer ao blogger para parar de filmar “porque não podia haver registo do que aconteceria a seguir”.
“Quando o polícia percebeu que Shottas continuava a filmar, disparou uma vez e uma segunda vez quando já estava caído no chão”, concluiu Chilenge.
Os moradores de Ressano Garcia protestavam contra o transporte de crómio, que acreditavam estar a contaminar a sua água.
Nas semanas que antecederam a sua morte, Sibia também cobriu os protestos que se registaram após as eleições.
Júnior, repórter do canal local SPMTV, disse ao CPJ que estava a filmar a ação policial contra os enlutados quando os agentes começaram a disparar.
Coletes de imprensa não servem
Ele e três colegas – Egilio Litsure, Wilken Alberto e Dério Chichava – correram para uma casa local para se protegerem, tendo Júnior disse que continuou a filmar a confusão de casa, mas que os polícias repararam nele e dispararam sobre ele, atingindo-o no braço.
Aquele repórter acrescentou que ele e os seus colegas estavam todos a usar coletes de “Imprensa” na altura.
Os jornalistas contaram que saíram de casa de braços erguidos, ao lado do amigo Abel Timana, para procurarem assistência médica para Júnior.
Litsure disse que a polícia “bombava-os com balas” novamente, matando Timana.
Litsure torceu o tornozelo ao tentar fugir à polícia.
Júnior disse ao CPJ que esteve hospitalizado na vizinha África do Sul durante cerca de duas semanas.
Desaparecimento e morte
A 7 de janeiro, Arlindo Chissale deixou a sua casa em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, para viajar para Nacala.
O irmão dele, Macário Chissale, contou que, mais tarde, nesse dia, na aldeia de Silva Macua, em Cabo Delgado, testemunhas viram oito homens, três dos quais com uniforme militar, a mandar parar um miniautocarro em que seguia Arlindo Chissale.
Os homens, que conduziam um carro branco sem licença, obrigaram Chissale a acompanhá-los, e depois foi encontrado morto, como confirmou o Centro para Desenvolvimento e Democracia.
O CPJ documentou outros ataques contra jornalistas na região, incluindo o desaparecimento em 2020 do apresentador de rádio Ibraimo Abú Mbaruco, depois de este ter enviado uma mensagem de texto a um colega a dizer que estava rodeado de soldados.
Em 2022, Chissale foi preso e detido durante seis dias em Cabo Delgado.
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