A defesa do conhecido 'caso dos 500 milhões' acaba de apresentar junto do Tribunal Constitucional (TC) de Angola um novo recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por entender que o anterior acórdão do Tribunal Supremo (TS) “tem mentiras grosseiras” e está eivado de mais inconstitucionalidades, para além das já declaradas no acórdão anterior do TC que havia anulado as sentenças dos acusados.
Este recurso levanta a possibilidade de um conflito aberto entre os dois tribunais, tendo em conta que a presidente do TC, Laurinda Cardoso, foi citada em Luanda, esta semana, como tendo lembrado às entidades e instituições públicas e privadas, que as decisões do TC, enquanto órgão competente para a administração da justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, são de cumprimento obrigatório para todos, incluindo o TS.
Uma fonte próxima do coletivo dos advogados do processo disse à Voz da América (VOA) que o TS fez “um novo julgamento, ouviram o Ministério Público, mas não ouviram a defesa para exercer o contraditório e ninguém pode ser julgado por mais do que uma vez pelos mesmos fatos”.
Na conversa, na condição de manter o anonimato, a fonte disse que, com esta nova reclamação, a defesa espera que aquele órgão de jurisdição constitucional mantenha a decisão anterior e, em última instância, “declarar que o processo é nulo e arquive-se”.
“Temos quase a certeza de que, até em defesa da sua honra, o Constitucional não vai decidir outra coisa senão manter a decisão anterior”, admitiu.
Os advogados de José Filomeno dos Santos, “Zenu”, Valter Filipe, António Samalia Bule e Jorge Gaudens Sebastião desmentem o argumento do TS, segundo o qual uma carta do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, enviada ao tribunal “não tem valor probatório nenhum”.
Na carta, Santos disse ter autorizado o envio dos 500 milhões de dólares num processo que visava, alegadamente, garantir empréstimos.
“É triste um tribunal superior, que deve ser um exemplo para os demais, estar a dizer mentiras grosseiras numa decisão. A obrigação do MP, de acordo com a própria lei, era mandar um questionário ao ex-Presidente da República para responder a algumas perguntas sobre se mandou ou não fazer a operação bancária e em que circunstâncias. Portanto há aqui uma violação da legalidade ”, argumentou a fonte à VOA.
A defesa dos condenados lembrou: “na instrução contraditória que nós requeremos a primeira coisa que nós pedimos era para ouvir o Ex-Presidente e nestes dois momentos ele ainda estava aqui em Luanda e disponível”.
A mesma fonte acusou, com efeito, o Ministério Público, alegando que “ignorou simplesmente o nosso requerimento. Nunca respondeu e violou o Artigo 73 da Constituição que diz que todos os órgãos de soberania e da Administração Pública têm a obrigação de responder os requerimentos, reclamações e denúncias dos cidadãos dentro de um prazo razoável”.
Por isso, a defesa entende que “o Ministério Público demonstrou claramente que estava a cumprir instruções.”
O jurista Vicente Pongola considera que a nova reclamação dos arguidos deve conduzir a uma nova apreciação do processo, tendo em conta a decisão do TS.
“Eles vão tentar pedir a aclaração da decisão do Tribunal Supremo, depois podem voltar ao TC dizendo que, ainda assim, há aqui violação dos preceitos constitucionais que vem prejudicar os direitos fundamentais dos arguidos e depois logo se vê”, esclareceu Pongola.
O caso
O TS decidiu, recentemente, manter a condenação dos implicados no conhecido 'caso 500 milhões', depois de concluir que as inconstitucionalidades suscitadas em sede de recurso ao TC estavam “devidamente expurgadas”.
O TC havia admitido, em abril passado, a ocorrência na ação condenatória de "violações aos princípios constitucionais da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e do direito a defesa”.
O TS de Angola tinha condenado o antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos Zenu, a cinco anos de prisão e o antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, a oito anos de detenção pelo seu envolvimento no caso dos '500 milhões'.
Outros dois réus também foram condenados: o antigo diretor do Departamento de Gestão de Reservas do BNA, António Samalia Bule, recebeu uma pena de cinco anos de prisão, enquanto o empresário Jorge Gaudens Sebastião, foi condenado a seis anos de prisão.
Recursos
Os réus foram absolvidos do crime de lavagem de capitais, mas terão de pagar uma taxa no valor de 300 mil kwanzas cada.
Ao decidur a ocorrência na ação condenatória de "violações aos princípios constitucionais da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e do direito a defesa”, o TC disse que “os autos devem baixar à instância devida, para que sejam expurgadas as inconstitucionalidades verificadas, ao que se seguirão os trâmites subsequentes que se mostrem cabíveis”.
A posição do TC respondeu ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade remetido pelos advogados dos condenados pelo Tribunal Supremo, em 2020, no conhecido caso '500 milhões'.
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