A Procuradoria Geral da República (PGR) de Cabo Verde abriu uma instrução criminal para analisar a suposta viagem de um antigo gestor público e um empresário cabo-verdianos a Venezuela para negociações com o Governo de Nicolás Maduro.
“Tomando conhecimento da notícia veiculada nos órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros - dando conta da deslocação de dois cidadãos cabo-verdianos à República Bolivariana da Venezuela, alegadamente com a missão de encetar contatos com o Presidente daquele país enquanto emissários do Governo – e do comunicado do Governo de Cabo Verde, alegando não ter enviado ninguém nem qualquer missão ao mencionado país, o Ministério Público determinou, no dia 20 de agosto de 2020, a abertura de instrução criminal”, diz o comunicado da PGR divulgada na noite desta segunda-feira, 25.
Em causa, está a suposta viagem de Gil Évora, na altura presidente do Conselho de Administração da empresa pública de produtos farmacêuticos Emprofac, e Carlos dos Anjos, antigo diretor geral do Turismo e atualmente consultor de empresas, à Venezuela, segundo revelou o jornal americano El Nuevo Herald no dia 19.
O Ministério Público sustenta que “em causa estão fatos suscetíveis de, por ora, integrarem a prática de um crime de usurpação de autoridade cabo-verdiana, previsto pelo artigo 312º do Código Penal e punido com a pena de prisão de um a cinco anos”.
A nota conclui que “finda a investigação, será tornado público o sentido do despacho de encerramento da instrução, que decorrerá em segredo de justiça”.
A denúncia
O jornal com sede em Miami, que acompanha de perto a situação na Venezuela e que citou “fontes familiarizadas com a situação”, revelou que Évora e Anjos “passaram a noite de segunda-feira, 17, no palácio presidencial de Miraflores”, num “esforço do governante Nicolás Maduro para conseguir que o país africano liberte o seu principal sócio, o empresário Álex Saab", cuja extradição foi solicitada pelos Estados Unidos por lavagem de dinheiro”.
Ainda de acordo com as mesmas fontes, os alegados enviados do Governo da Praia “chegaram num avião privado no terminal presidencial, conhecido na Venezuela por “Rampa Quatro” e “do Aeroporto Internacional de Maiquetia, os indivíduos foram levados para o palácio presidencial”.
“Eles dormiram em Miraflores, não ficaram em nenhum hotel, acrescentou uma fonte sob anonimato do jornal com.
Embora as supostas negociações tenham tido lugar à porta fechada, o jornal garante que centraram-se na “luta diplomática entre Caracas e Washington” e que nelas “participaram o Presidente Maduro e por video-conferência várias figuras do chavismo, entre elas o ministro de Petróleo, Tareck El Aissami, e o ministro da Informação, Jorge Rodríguez”.
Governo reage e demite gestor
Na altura, num breve contato com a VOA através de uma rede social, Gil Évora, sem gravar entrevista, disse que se encontrava em Lisboa de férias, enquanto Carlos Anjos afirmou ao portal Mindelinsite.cv que “era fake news”.
No mesmo dia 19, o Ministério dos Negócios Estrangeiros reagiu dizendo que “o Governo de Cabo Verde não enviou ninguém, nem qualquer missão, à República Bolivariana da Venezuela”.
Em comunicado, o departamento governamental dirigido por Luís Filipe Tavares reiterou que “Cabo Verde é um Estado de Direito democrático, onde os tribunais são independentes e as garantias de defesa se aplicam a todos os indivíduos, razão pela qual existe confiança no sistema judicial, que decidirá sobre o caso de extradição do senhor Alex Nain Saab Morán em curso”.
Na sexta-feira, o Governo demitiu Gil Évora do cargo de PCA da Emprofac “em consequência da violação dos deveres inerentes ao gestor público e desvio da finalidade das funções”.
Évora justifica-se
No sábado, 22, Évora emitiu um comunicado no qual revelou que ele e Anjos fizeram uma viagem privada de negócios, a convite do grupo de advogados de defesa de Álex Saab.
“Não fizemos qualquer missão a mando de Governo algum e nem fomos emissários de quem quer que seja. Igualmente não estivemos em palácio presidencial algum pelo que não contatamos qualquer Presidente e muito menos entidades governamentais de um outro país. Neste sentido são globalmente falsos falar-se de encontros políticos, etc, e desejamos refutá- los integralmente pelo que apenas servem para alimentar o gáudio de alguns que nos querem à força metidos em qualquer enredo do qual não somos e nem queremos ser parte”, afirmou o gestor.
Na nota, ele indicou que os advogados de Saab queriam “conhecer e estabelecer os trâmites de obtenção das autorizações para a realização dos voos e obtenção dos vistos de entrada em Cabo Verde, assim como outros aspetos logísticos face à necessidade premente de o grupo ter de se deslocar ao nosso país”.
Detido em Cabo Verde desde o dia 12 de junho a caminho do Irão, o Tribunal de Relação de Barlavento decidiu a 31 de julho pela extradição de Álex Saab para os Estados Unidos, onde é acusado de lavagem de dinheiro.
A Venezuela pede a sua libertação e a defesa recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, que ainda não tomou uma decisão.