A abstenção de Cabo Verde na votação de uma resolução da Assembleia Geral da ONU para a abertura do corredor humanitário para prestação de assistência em Gaza desagradou o Presidente da República que pede maior concertação entre os diferentes órgãos de soberania antes da tomada de decisões importantes.
Em resposta, o ministro dos Negócios Estrangeiros reafirma o respeito do Governo pelos direitos humanos, normas e direitos internacionais, mas justifica a abstenção com o fato de não se ter colocado na resolução qualquer menção aos ataques do Hamas no passado 7 de outubro.
Ante este diferendo público entre Presidência e Governo, analistas políticos sugerem um compromisso entre as duas partes de concertação de posições, evitando assim consequências desagradáveis.
O antigo ministro da Comunicação Social José António dos Reis diz ser de grande importância o acerto de posições em matérias importantes para a vida do país e na arena internacional.
“Trata-se de uma situação que eu penso que em termos de procedimentos por parte de Cabo Verde deve-se corrigir, para que não volte a acontecer essa cacofonia de diferentes órgãos de soberania verbalizar de forma diferente o seu olhar sobre uma situação concreta no plano internacional”, sugere o também analista político..
O antigo conselheiro presidencial António Ludgero Correia considera que o Presidente da República tem toda razão quando fala da necessidade de haver maior concertação, já que em seu entender estava em causa uma matéria importante relativa aos direitos humanos.
"O PR tem carradas de razão já que não se trata de um assunto de menos importância… e não se pode estar em que o Chefe de Estado tem uma posição e o Governo outra… por isso penso que deveria sim haver uma concertação prévia", sustenta Correia para quem, “uma resolução para abertura de corredores humanitários não tem de ser justificada com atos anteriores”.
Numa declaração na terça-feira, 31, o Chefe de Estado cabo-verdiano apelou a uma maior cultura de diálogo entre os órgãos de soberania visando "mais concertação interna e que não tenhamos timidez na busca de consensos e de entendimentos”.
José Maria Neves disse que “Cabo Verde é um país que defende a Carta das Nações Unidas, defende o direito internacional e que o que estava em causa era um cessar-fogo humanitário para abrir corredores de assistência humanitárias a civis", e por isso “não se pode abster quando o assunto é o diálogo, a paz e o direito humanitário”.
Numa conferência de imprensa nesta quarta-feira, 1, o ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou que “era um ponto na agenda para se informar o Senhor Presidente da República sobre o sentido de voto… mas não deve haver no nosso sistema de Governo articulação e concertação para se votar num sentido ou noutro… apenas informação que nós prestamos na devida altura”.
Rui Figueiredo Soares lembrou que o processo de votação foi fraturante para várias regiões e blocos de países, "mesmo para aqueles que dispõem de instrumentos definidores de política externa comum, como a União Europeia, o que devia convidar os atores políticos cabo-verdianos a dar prova de moderação acrescida, análise mais serena, ao invés de se utilizar este voto como arma de arremesso”.
O chefe da diplomacia cabo-verdiano acrescentou que “o interesse nacional obriga a isso” e revelou que “Cabo Verde tem facilitado as ações humanitárias a favor do povo palestiniano”, nomeadamente “autorizando pedidos de sobrevoo e aterragem de aeronaves com este fim”.
“Não confundimos de forma alguma o povo palestiniano com o Hamas, mas também não podemos aceitar leituras enviesadas, parciais do conflito”, acrescentou Soares.
Cabo Verde foi o único país de língua portuguesa a abster-se na votação da resolução da ONU que pediu um pausa na guerra entre Israel e o Hamas para abrir corredores humanitários em Gaza.
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