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Cabo Verde e a NATO, um assunto que exige um debate sério, avisa diplomata Fernando Wahnon


Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro de Cabo Verde, e Jens Stoltenberg, antigo secretário-geral da NATO, em Bruxelas, 26 outubro 2023
Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro de Cabo Verde, e Jens Stoltenberg, antigo secretário-geral da NATO, em Bruxelas, 26 outubro 2023

Diplomata na reforma destaca a necessidade de manifestação de interesses dos dois lados

A aproximação de Cabo Verde à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, nas siglas em inglês) voltou à agenda política na semana passada, depois de o primeiro-ministro português, Luis Montenegro, ter dito em Lisboa quo seu governo está empenhado numa “aproximação” da organização “a países como Cabo Verde e com São Tomé e Príncipe, com quem temos especiais afinidades”.

Fernando Wahnon, antigo embaixador de Cabo Verde
Fernando Wahnon, antigo embaixador de Cabo Verde

Estes dois países lusófonos que, do ponto de vista estratégico, «são expressão do alargamento que a Aliança Atlântica pode ter em cooperação e eventualmente em integração, no caso de Cabo Verde, porque estamos a falar de espaços geográficos que são condição da eficácia das políticas de dissuasão e defesa da Aliança”, concluiu Montenegro no dia 27 de janeiro depis de um encontro om o secretário-geral da NATO, Mark Rutte.

Ainda na capital portuguesa, o primeiro-ministro de Cabo Verde reiterou que o seu Governo pretende uma maior aproximação, sem dar mais detalhes, tendo o PAICV, principal partido na oposição, pedido explicações a Ulisses Correia e Silva, lembrando que a Constituição impede a construção de bases militares no país e que o assunto não foi debatido.

Em resposta ao líder da oposição, Rui Semedo, a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Miryan Vieira veio a público reiterar que está fora de debate uma base, mas sim cooperação com a NATO.

A Voz da América falou com o diplomata cabo-verdiano na reforma Fernando Wahnon, que era o embaixador de Cabo Verde em Bruxelas, quando o Governo de Cabo Verde e a NATO negociaram os primeiros exercícios da organização no arquipélago, por sinal os primeiros em África.

Aquele diplomata começa por lembrar as manobras militares realizadas pela Força de Reação Rápida da NATO em algumas ilhas do país, nomeadamente no Sal, em São Vicente, em Santo Antão e no Fogo e que, nessa altura, ele negociou “o acordo base que serviu para que essa essas operações pudessem ter lugar”.

“E a vontade política estava lá, Cabo Verde foi um dos países que correspondia a alguns dos princípios que a NATO entendia e a vontade política de Cabo Verde foi efetivamente acolher esses exercícios em Cabo Verde, o que, entenda-se, é uma aproximação à NATO, interesse numa parceria com a NATO”, acentua aquele diplomata.

Se é verdade que uma eventual adesão de Cabo Verde à NATO foi recentemente afastada pela secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, e por ende a instalação de qualquer base no arquipélago, como impede a Constituição da República, pode haver outras formas de cooperação.

A Constituição em tempos de relações internacionais dinâmicas

No entanto, Fernando Wahnon aponta essa imposição constitucional como uma “herança ou uma reminiscência ainda do partido único (em vigor entre 1975 e 1990) e da luta entre os dois blocos, porque a primeira Constituição de Cabo Verde também já se referia a esta interdição”, mas “em termos teóricos, podemos até questionar se programaticamente as constituições deverão conter ou deverão continuar a manter esta esta interdição” ou se poderão ser alteradas.

Aquele diplomata com uma longa carreira ao nível do Ministério dos Negócios Estrangeiros na Praia e como embaixador junto de vários países e organizações, como a União Europeia e as Nações Unidas, lembra que “uma coisa é uma base, e pois o tema é muito lato, porque eu posso dizer que concedeu facilidades e será que conceder facilidades é uma base ou não é uma base? Portanto, é uma questão controversa”.

No entanto, Wahnon cita o primeiro-ministro quem destacou a segurança marítima, como fundamental para um país com uma vasta zona económica exclusiva, que “é a nossa maior preocupação”.

“Nós fazemos e temos apoios e temos trabalhado conjuntamente com a Marinha de vários países membros da NATO, caso dos Estados Unidos, caso da Inglaterra, caso da Itália, caso de Portugal, que têm trabalhado conosco na fiscalização da nossa zona económica exclusiva e não só”, o que, para o diplomata existirá o interesse de Cabo Verde nessa cooperação.

“Agora, como é que ele se vai concretizar? Isto vai depender um pouco do que nós pudermos fazer para além do bilateral, não é?”, aponta Fernando Wahnon, que questiona “a nível da organização em si, da NATO, o que é que nós poderíamos fazer?”

Interesses de ambas as partes

Ele destaca que os governos de Cabo Verde sempre pretenderam ter alguma formação, assistência e treino militar.

O diplomata enfatiza também a necessidade de se saber qual o interesse que a NATO e os seus membros terão em Cabo Verde, e aventa que a organização “naturalmente tem interesse em proteger o seu flanco sul, o que é normal, mas competirá mais à NATO dizê-lo”.

Na sua análise, Wahnon aborda vários ângulos desse tema, nomeadamente o facto desse interesse ter sido aflorado agora, não pelas autoridades cabo-verdianas, mas pelo primeiro-ministro português, que apontou Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

“Eu penso que as declarações do primeiro-ministro português sobre esta matéria, eventualmente, terão sido um pouco precipitadas porque para os olhos de alguns, diria até paternalistas porque não perguntaram a Cabo Verde se estaria interessado ou não estaria interessado. Não perguntaram qual foi a posição de Cabo Verde”, diz o diplomata que sublinha ter havido “algum paternalismo”.

Debate sério, não nas redes sociais

Questionado se o assunto poderá ser mais acaloradamente debatido em Cabo Verde do que na esfera das relações internacionais, Fernando Wahnon lembra que no arquipélago “vivemos num momento um pouco de extremos, de alguma crispação e, portanto, tudo pode servir de arma de arremesso de uns contra outros”.

Por isso, o diplomata defende um “debate sério e não um debate de redes sociais, como como é óbvio” e conclui que “não é uma questão que se resolva por um achismo”, mas sim tendo em conta os interesses específicos, que têm de discutidos no fórum adequado.

Ouça a entrevista:

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