O Presidente dos EUA viu em primeira mão nesta quarta-feira, 4, o projecto ferroviário financiado em grande parte pelos EUA que combina o seu "amor" pessoal pelas ferrovias ao seu desejo de deixar um legado em África que sobreviverá à sua administração.
O Corredor do Lobito, na província angolana de Benguela, é uma linha ferroviária de 1.300 quilómetros que se estende desde a Zâmbia, rica em cobre, até ao porto do Lobito, no sudoeste de Angola.
A infraestrutura pretende formar um “corredor económico estratégico” no âmbito da Parceria para as Infraestruturas e Investimentos Globais da Administração Biden, destinada a contrariar a bem estabelecida e extensa Iniciativa Cinturão e Rota da China.
Até ao momento, a Administração Biden afirma ter adjudicado quase quatro mil milhões de dólares no projeto.
Na capital de Angola, Luanda, na terça-feira, Biden lançou o projeto através do seu “amor” pelo transporte ferroviário de passageiros.
É que, como senador, viajava frequentemente de Wilmington, no Estado de Delaware, sua terra natal, a Washington DC, um percurso de 340 quilómetros em cada viagem
“Devo dizer antecipadamente à imprensa americana aqui que sou provavelmente o tipo mais pró-ferroviário da América”, disse Biden, provocando a gargalhada das personalidades que ouviam o seu discurso no Museu Nacional da Escravatura.
"Transição da história mundial"
Nesta quarta-feira, visitou o terminal portuário do Lobito, Benguela, e reuniu-se com o Presidente angolano, João Lourenço, o Presidente da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, o Presidente da Zâmbia, Hakainde Hichilema, e o vice-Presidente da Tanzânia, Filipe Mpango.
Durante uma visita a uma fábrica de processamento de alimentos, Joe Biden destacou a importância do Corredor do Lobito na exportação de recursos, bem como na integração e desenvolvimento regional.
“Estamos num desses pontos de transição na história mundial”, disse o Presidente dos EUA e afirmou que a infraestrutura vai reduzir o tempo de viagem em África.
“Todos estes projetos e investimentos são concebidos para terem um elevado impacto”, rematou.
Na ocasião, Joe Biden anunciou que os Estados Unidos vão investir mais 600 milhões de dólares para modernizar e desenvolver ainda mais o Corredor do Lobito.
“Os Estados Unidos compreendem que a forma como investimos em África é tão importante como a que investimos em África”, concluiu o Presidente americano.
Viagem de 40 dias para 40 horas
Altos funcionários da Administração afirmaram que, até ao final da década, a linha férrea será prolongada a toda a sua extensão, da costa africana do Oceano Índico até ao Loito, no Atlântico.
Na primeira fase transportará minerais como o cobalto e o cobre do interior do continente para a costa.
Quando o corredor estiver concluído, uma viagem que demora agora mais de 40 dias por estrada poderá ter a duração de 40 horas.
“A premissa por detrás do corredor é ser capaz de aproveitar o apoio americano e as capacidades financeiras que são limitadas e concentrá-los mais profundamente numa área, em vez de espalhar esse apoio financeiro e esforço por muitos países”, disse um alto funcionário do Governo americano, que não foi identificado, como é prática comum na Casa Branca.
A Voz da América perguntou àquele responsável se este projeto vai repetir a prática da era colonial de explorar os ricos recursos brutos do continente, sem acrescentar valor ou proporcionar trabalho estável às populações locais.
Mais valias aos produtos africanos
A crescente população jovem no continente criou uma necessidade urgente de emprego, colocando pressão sobre muitos governos africanos.
“Não concordo com a premissa de que se trata de produtos brutos”, respondeu aquele funcionário, acrescentando que “neste momento, só está a sair produto bruto, mas acho que o que esta ferrovia faz é que, para chegar a produtos de maior valor, são necessárias algumas coisas”.
“Um deles é a energia acessível, fiável e abundante, portanto, a construção do sistema energético permite-lhe então construir o valor acrescentado”, concluiu a mesma fonte.
Alguns analistas políticos questionam se este esforço dos EUA, realizado mais de uma década depois de a China ter lançado a sua ambiciosa iniciativa Cinturão e RotaRota, pode competir com Pequim.
“Após uma inspeção mais detalhada, parece ser uma imitação do manual da China, que reconhece tacitamente que Washington está atrás de Pequim em termos dos seus investimentos em África, mas faz pouco para preencher o vazio que existe na peugada da China”, disse Chris O. Ògúnmọ́dẹdé , editor, consultor e analista de política africana, segurança e relações internacionais.
Wang Peng, investigador da Universidade Renmin da China, escreveu no site do think tank chinês Centro de Cooperação Internacional que os projetos internacionais ocidentais como o Corredor do Lobito não representam um desafio para a iniciativa da China porque os Estados Unidos “não podem fornecer fundos e materiais suficientes em condições para implementar verdadeiramente o seu ambicioso plano de infra-estruturas globais.
Futuro
Aquele investigador observou, no entanto, que os EUA podem minar a iniciativa da China ao exercer “pressão diplomática sobre os países anfitriões para os forçar a romper acordos de cooperação com a China, exagerar o impacto negativo do projeto “Uma Faixa, Uma Rota” no ambiente ecológico local e nos recursos hídricos... e exaltar a chamada questão da “armadilha da dívida”.
A crescente dívida chinesa entre os países africanos é algo que Joe Biden mencionou indiretamente nas suas observações de terça-feira, 3, em que procurou apresentar os EUA como um parceiro fiável.
“Também pressionámos para garantir que os países em desenvolvimento não têm de escolher entre pagar dívidas insustentáveis e poder investir no seu próprio povo”, apontou o Presidente.
Mas, como Biden também disse, o seu tempo está a esgotar-se enquanto se prepara para deixar o cargo.
Analistas políticos afirmam que este projeto pode ser bem recebido pelo Presidente eleito Donald Trump por se adequar à sua abordagem mais transacional ao continente e pode interesar a um dos maiores apoiantes de Trump, o bilionário e fabricante de automóveis Tesla, Elon Musk.
“Afinal, o dinheiro já foi reservado”, disse James Murphy, da Universidade Clark, em Massachusetts, para quem “continuar o projeto do Lobito é uma ideia inteligente e Trump não tem de ser dono dela, exceto no sentido em que lhe dá um ponto de discussão sobre os nossos interesses estratégicos/orientados para os recursos em África, particularmente como uma estratégia para adquirir minerais essenciais para os Teslas de Elon”.
Texto de Anita Powell, com a contribuição de Paris Huang
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