Antigos trabalhadores da companhia estatal angolana de diamantes, Endiama, insistem que a empresa lhes deve salários e outros benefícios e dizem não compreender porque foram pagas indemnizações a companhias estrangeiras, enquanto eles nada recebem.
Esta reacção surge depois de o presidente da companhia, José Ganga Júnior, ter afirmado que a empresa irá cumprir as decisões judiciais a serem tomadas no diferendo com os trabalhadores que se arrasta há anos.
Na conferência de imprensa, Ganga Júnior afirmou que a Endiama tinha uma dívida com a banca angolana avaliada em 150 milhões de dólares e que grande parte dela fi amortizada, o que lhe permite hoje negociar um novo financiamento com o Banco Angolano de Investimentos (BAI), de 100 milhões de dólares.
Ganga Júnior referiu ainda que essa dívida nem era de créditos directos da empresa, mas sim de projectos de outras empresas que faliram, tendo a dívida ficado para a estatal diamantífera.
O especialista em produção de diamantes Baptista Tunganeno diz que não considera ter havido falência de projectos, mas sim retirada forçada de alguns operadores estrangeiros, como a SPE Sociedade Portuguesa, ligada à SML Sociedade Mineira do Lucapa, a TRANSEX, sul-africana que operava no projecto Fucauma e Luarica, e a brasileira Odebrecht, no Cuango Cubango.
"Por exemplo, a SML a Sociedade Portuguesa foi indemnizada, não havia transparência no negócio e entre eles houve muitos problemas”, disse, acrescentando que “a filha do antigo Presidente da República, por exemplo, queria acabar com todas as empresas que operavam ali, e passar a produzir projectos só dela, Isabel dos Santos, e do marido Sindika”.
“Por isso, algumas empresa desistiram, não porque faliram, outras foram mesmo forçadas a abandonar e deixar o negócio para outras pessoas. Havia também a TRANSEX sul africana do projecto Fucauma e Luarica e na área do Cuango a brasileira Odebrecht", acrescentou.
Angolanos à espera
Monteiro Muanza, antigo trabalhador da Endiama, conta como as empresas estrangeiras tiveram que abandonar o negócio por causa da falta de transparência na altura, mas que foram foram indemnizadas, o que já não se pode dizer dos angolanos.
"Abandonaram todo o equipamento, o Estado indemnizou na altura a Sociedade Portuguesa com 139 milhões de dólares, isto vimos nos jornais, enquanto a parte angolana dos trabalhadores até hoje nunca viu a cor do dinheiro”, afirmou
“A verdadeira dívida que a Endiama tem não é com os projectos, é com os trabalhadores e dos cinco projectos a dívida na altura rondava os 258 milhões de dólares de salários em atraso, indemnizações e reformas, e ainda nos dizem para ir discutir com os portugueses e sul-africanos, nós não trabalhamos para eles, trabalhamos para a Endiama", acrescentou.
Neste momento, segundo Baptista Tunganeno, já morreram mais de 200 trabalhadores na indigência, sem receber o seu dinheiro.
Entretanto, o consultor económico Galvão Branco é de opinião que as contas da Endiama estão devidamente auditadas.
"A Endiama tem as suas contas auditadas, a mim não me parece haver qualquer situação atípica ou anormal à volta desta situação, as dívidas, algumas, são de projectos da própria Endiama de algum tempo já, outros de empresas correlacionadas mas nada têm a ver com empréstimos individuais, nem com trabalhadores", contou.
Ideia diferente tem David Kissadila, especialista em políticas públicas, para quem a empresa estatal, como quase todas as empresas públicas, têm sérios problemas de gestão.
"Uma empresa da envergadura da Endiama não pode estar numa condição de devedora dos seus próprios trabalhadores”, disse, Kussadila, para quem "isto indicia má gestão, é preocupante e merece ter um trabalho de auditoria séria e externa".
Na conferência de imprensa, o presidente da Endiama disse que a companhia deverá produzir, este ano, cerca de 10,5 milhões de carats de diamantes, com um rendimento de 1.400 milhões de dólares.