Um antigo membro do Batalhão Búfalo e do Directório de Tarefas Especiais (DST) do exército sul-africano terá sido quem recebeu mais de dois milhões de dólares pelos documentos da batalha de Cuito Cuanavale, que não foram entregues pelo antigo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) de Angola, o general António José Maria.
O segredo continua, no entanto, a rodear o conteúdo dos documentos e por que razão o antigo chefe da secreta angolana decidiu desviá-los colocando-os à guarda da Fundação Eduardo dos Santos.
O general José Maria está a ser julgado em Luanda por crimes de insubordinação, desvio de documentos militares e conduta indecorosa.
"Entre os documentos retirados do gabinete do general pelo seu subordinado constam documentos classificados como sendo de carácter militar, onde se incluem também os referentes à batalha do Cuíto Cuanavale", disse o representante do Ministério Público no início do julgamento de José na quarta-feira, 11.
Quem é Manuel Vicente da Cruz Gaspar ou "comandante Paulo"
A acusação sustenta que os documentos foram obtidos de forma onerosa, “conforme atestam as folhas 106 e 140 dos autos, num valor acima de mais de dois milhões de dólares norte-americanos, e cujo receptor foi o cidadão luso-sul africano-moçambicano, Manuel Vicente da Cruz Gaspar".
O nome é o mesmo de um antigo membro de uma unidade de Comandos do exército português em Moçambique, nascido em Montepuez, no norte do país, e também conhecido como "Comandante Paulo".
Um livro publicado em Portugal revelou que Gaspar participou na intentona de 7 de Setembro de 1974 na capital moçambicana, que visava impedir a descolonização da então colónia a favor da Frelimo, tendo fugido depois para a África do Sul.
Nesse país foi integrado no chamado Esquadrão Chipenda e mais tarde no Batalhão 32 (conhecido também por Batalhão Búfalo), composto por angolanos, e que jogou um papel importante na luta dentro de Angola, em muitas ocasiões em à UNITA.
A VOA soube junto de fontes ligadas ao batalhão que Gaspar fez também parte do Directório de Tarefas Especiais (DST) ,cuja missão inicial era a coordenação com a UNITA, e que, mais tarde, foi dividido em DST1, que fazia a coordenação com a UNITA, e DST2, encarregue da ligação à Renamo, em Moçambique, e outros movimentos africanos.
Os documentos que valeram dois milhões
O paradeiro de Gaspar é desconhecido embora em Portugal tenha sido publicado um livro sobre as suas actividades com o título de “O Puto”, outro nome pelo qual era conhecido
O teor dos documentos comprados pelo General José Maria, no entanto, continua rodeado de mistério.
José Maria disse em tribunal na quinta-feira, 12, que não considerava os documentos propriedade do Estado porque “foi José Eduardo dos Santos quem me deu o dinheiro para a recolha dos dados que vieram a constituir os documentos".
O general acrescentou mais adiante que o dinheiro era do próprio antigo Presidente, que queria que se elaborasse uma história da batalha de Cuito Cuanavale para futuro estudo pelos angolanos
O general José Maria defendeu ainda a sua decisão de manter os documentos, afirmando que "não são secretos nem qualificados".
Posição contrária teve também no tribunal, ao falar como testemunha, o tenente-general Carlos Filipe, antigo adjunto de José Maria, para quem os documentos são "sensíveis e classificados" e alertou que, se forem divulgados, criariam problemas na relação entre Angola e África do Sul.
No primeiro dia do julgamento, depois das acusações do Ministériom Público, o advogado do antigo chefe da secreta e um dos mais poderosos durante a Presidência de José Eduardo dos Santos, pediu a sua abolvição.