O despedimento de 100 colaboradoras da organização britânica Halo Trust em Angola é visto como alerta para um quadro social sombrio devido à redução do apoio de doadores internacionais, que pode repetir-se em várias estruturas
No entanto, esta “nova ordem mundial” no capítulo da assistência humanitária não abala a confiança de atores que trabalham na prevenção de doenças como o HIV/SIDA e a tuberculose.
Ao contrário do que se verifica na organização britânica especializada em desminagem, a contas com a justiça devido a despedimentos por alegada incapacidade financeira, não é um dado adquirido que o fim de um programa de nutrição com apoio externo venha a significar desemprego.
Trata-se de um programa da Jam, com fundos da Alemanha e Suíça, que vinha beneficiando milhares de crianças desfavorecidas na província de Benguela.
Tribunal ou acordo
Após ter sido obrigada pelo Tribunal do Lobito, em Benguela, a reintegrar as 100 colaboradoras afastadas, a Halo Trust enfrenta agora um processo-crime por desobediência, já como arguida, conforme apurou a Voz da América.
Enquanto aguardam pelo desfecho, várias sapadoras estiveram, na semana passada na Procuradoria-Geral da República (PGR) a solicitar explicações.
“Daí que estamos aqui mais uma vez, exigimos nossos direitos. Há algum tempo já estávamos no Bié e Kuando Kubango, lá mesmo nos tiraram, dizendo que os contratos acabaram e não há doações”, refere Delfina.
Outra colaboradora, Madalena, acrescenta que “salvamos vidas, por isso queremos a reintegração, salários ou indemnização, uma vez que hoje estão a cultivar em áreas que nós limpámos”.
A Voz da América procurou abordar o sub-procurador titular do Lobito, Almerindo Bastos, mas sem sucesso.
A Halo Trust, que diz estar a sofrer com os cortes nos financiamentos de doadores internacionais, promete apresentar a sua versão dentro de 15 dias e confirma o caso na justiça.
Cenário de aperto
Com este quadro o consultor social João Misselo da Silva, quadro da Organização Humanitária Internacional (OHI), antevê um cenário de aperto em várias áreas da vida social do país
“A OHI está a acompanhar tudo com grande preocupação, instamos a comunidade internacional em manter apoios na assistência social, a saúde, educação, segurança alimentar e nutricional e a própria desminagem”, diz Silva, acreditando que “assim será difícil cumprir a agenda 2030 das Nações Unidas, que precisa de investimento interno e externo”.
Tal como noticiou a Voz da América, limitações de doadores internacionais estão a afetar a distribuição da merenda escolar, conforme adverte a Jam, que deixou de operar em algumas províncias.
O técnico Morgado Culembe revela que está a terminar um programa de combate à má-nutrição e confessa que tinha a esperança de receber fundos da Agência dos Estados Unidos para a Cooperação Internacional (USAID).
“Temos apenas o prazo de até ao mês de maio, tínhamos esperança de um dia contar com financiamento da USAID. Para além da merenda escolar, temos, e vai já acabar, o programa de apoio ao combate à má-nutrição, distribuindo o leite terapêutico e o arroz na província de Benguela”, indica.
Trabalhos continuam
Culembe refere que “tem de se arranjar estratégia para que não haja desemprego, vamos ver internamente, mas se não existir … muitos terão mesmo de ficar em casa”.
Cenário inverso, por ora, é avançado pela ADPP, que trabalha na prevenção do HIV/SIDA e tuberculose nas províncias do Bié, Benguela e Kwanza Sul, no quadro do apoio do Fundo Global (FG).
“Por enquanto … não temos nenhuma chamada de atenção negativa, achamos que vamos continuar sem problemas até ao fim. Estão [funcionários] descansados, vão trabalhar, temos acordos para até Junho do próximo ano, ainda estamos bem”, refere o Coordenador Interprovincial é Andrew Pamuchigere
No mesmo pacote do FG, está a Organização de Interação Comunitária (OIC), que tem como diretor o ativista Rodrigues Tomás.
“São vários países que comparticipam, os Estados Unidos … acredito que contribuam com 30 por cento, enquanto entidade sub-receptora não temos nenhuma informação de cancelamento”, revela Tomás, assegurando que “as ações continuam no apoio a estes grupos vulneráveis nas três províncias”.
Entre 2016 e 2023, Angola recebeu 400 milhões de dólares para o combate à malária, hiv/sida e tuberculose.
Destacando a importância deste mecanismo no país, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, considera que Angola ganhou a confiança do FG, demonstrada no aumento dos orçamentos anuais, e realça que o seu pelouro está preocupado com as chamadas doenças comunitárias .
Fórum