Nenhum dos vários projetos para os quais o Estado angolano aprovou garantias soberanas - basicamente para cobertura financeira na importação de equipamentos - está ainda ao serviço da segurança alimentar e da criação de riquezas, como pretendiam as autoridades, indicam levantamentos feitos pela Voz da América.
Quase cinco anos após o anúncio da linha de crédito do maior banco alemão, Deutsche Bank, salta à vista um ambiente de incertezas, com empresários amarrados ao que chamam de constrangimentos e burocracia.
Obras em curso, mas com contrariedades pelo meio, só na Carrinho, em Benguela, para fábricas de extração de óleo a partir do girassol e de açúcar bruto, que implicaram garantias soberanas de 56,9 milhões de euros e 57, 4 milhões de euros, respectivamente.
Fonte desse grupo empresarial revelou à Voz da América que só em 2025, entre maio e outubro, as unidades deverão estar a funcionar, com um total de mil trabalhadores, lembrando que foram registados constrangimentos ligados ao fecho dos contratos com a linha de crédito.
A mesma fonte apontou ainda para exigências dos bancos financiadores para com organismos em Angola, nomeadamente o Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA), que vai operacionalizar a linha do Deutsche Bank.
Indefinido também está o arranque da construção, também em Benguela, concretamente na Baía Farta, das fábricas de conserva de atum e de soda cáustica e hidroclorito de sódio, com 11,3 milhões de euros e 3,62 milhões de dólares.
Há quase dois anos, o empresário Álvaro Eugénio, do setor pesqueiro, falava em burocracia na relação entre o BDA e o Ministério das Finanças, entidade que emite as cartas de garantias, algo que, segundo outros operadores, prevalece até ao momento.
No Zaire, apenas agora, mais de um ano e seis meses após a aprovação da garantia soberana, de 350 milhões de dólares, está a ser adquirido o equipamento para uma fábrica de fertilizantes.
A unidade industrial, orçada em 2,2 mil milhões de dólares, começa a ser construída no próximo ano, com o prazo de execução a indicar a conclusão para lá do segundo mandato do Presidente João Lourenço, contra as expectativas iniciais.
A propósito, o empresário Edgar Oseias, antigo funcionário das Nações Unidas, refere que a certificação das empresas constitui outro entrave e lamenta que os operadores não tenham liberdade para expressar o que pensam
“É de facto uma linha de crédito com a garantia, mas se for um bilião não significa que recebamos de uma vez. Grande parte das empresas angolanas não são certificadas, por isso é que a Alemanha pode recorrer, por exemplo, a Portugal para certos trabalhos por causa da língua. Na verdade, não temos muita liberdade com esse dinheiro, recebemos mais equipamentos”, comentou o analista.
Ele vinca que “quando há uma falha, numa tranche ou noutra posição, encalha o projecto, os empresários não podem gritar sob pena de tudo vir a descarrilar, ficam contidos”.
O professor universitário Carlos Pinto realça que caberá ao Estado sinalizar empresas com histórico e potencial para créditos tão elevados.
“ Temos poucos empresários com um histórico de empreendimento e capital cem por cento lícito, falo de empresários que tenham construído uma grande fortuna pagando impostos e outras obrigações”, diz.
"É provar idoneidade, estão em causa créditos elevadíssimos, só mesmo o Estado pode sinalizar esses projectos alinhados com o desenvolvimento industrial”, acrescentou afirmando ainda que “os empresários podem não conseguir provar a proveniência legal dos seus bens muito por causa do longo conflito armado que tivemos”
A Voz tentou, sem sucesso, obter a versão do BDA, que vem manifestando o interesse em tornar célere o processo, tendo numa ocasião deixado tal promessa em encontro com organismos europeus que deverão exportar equipamentos para Angola.
A última garantia soberana aprovada pelo Presidente João Lourenço ao abrigo da linha de crédito alemã, no valor de 29,2 milhões de dólares, destina-se à cobertura de um contrato de importação para o relançamento da fazenda Quizenga, província de Malanje.
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