As denúncias de irregularidades nos processos de admissão em instituições públicas e privadas em Angola são recorrentes, tendo recentemente o novel ministro do Interior decidido reavaliar mais de sete mil agentes admitidos pelos Serviços de Migração e Estrangeiros (SME), Serviço de Investigação Criminal (SIC) e Serviço de Protecção Civil e Bombeiros (SPCB), recrutados sob a gestão do antigo titular da pasta.
Juristas ouvidos pela Voz da América apontam os altos níveis de corrupção e a ineficácia das instituições judiciais como fatores centrais para o problema.
Todos os dias cidadãos relatam dificuldades e frustrações ao tentar uma vaga de emprego, especialmente em instituições públicas.
Após a sua posse, em novembro, o ministro do Interior Manuel Homem decidiu interrogar os mais de sete mil agentes admitidos pelo SME, SIC, SPCB, recrutados sob a gestão do seu antecessor Eugénio Laborinho.
A medida visou apurar quem foi responsável pelo enquadramento de cada um e, sobretudo, se houve pagamento para garantir as admissões.
Essas audições começaram após a suspensão do curso de formação de agentes, diante de acusações de que os mesmos haviam facilitado a entrada de cidadãos estrangeiros e, em alguns casos, admitido pessoas com antecedentes criminais.
Para o jurista Albano Pedro, a opacidade nos concursos públicos reflete o impacto dos altos níveis de corrupção que atravessam o país.
“De uma maneira geral, o grande problema que temos é ainda a corrupção. Isso não tenhamos dúvida, isso não tem a ver apenas com processos de recrutamento, de concursos públicos para admissão pessoal, tem a ver até com concursos públicos para prestação de serviços ao Estado, tem a ver com pagamento de dívidas públicas ao setor privado, tem a ver com a transparência nos processos mesmo de tratamento de documentos", sustenta Pedro, para quem é situação transversal “que tem a ver mesmo com práticas que não foram descontinuadas no comportamento quer do funcionário público, quer de indivíduos ligados a instituições públicas, e muitas delas até instituições privadas que servem do erário público”.
Aquele jurista considera que o recente trabalho de investigação conduzido pelo Ministério do Interior é, no mínimo, um reconhecimento de que a situação está longe de ser aceitável.
“O ministro, ao chamar a atenção, ao invalidar o próprio processo, é uma demonstração clara de que ele usou como critério de análise a própria lei e percebeu que os funcionários não agiram em conformidade com aquilo que está estabelecido na ordem jurídica. Portanto, penso que é um problema relacionado com a má conduta dos próprios funcionários envolvidos nesse processo”, conclui.
Por seu lado, para a jurista Evandra Fortunato, a realidade dos concursos públicos é desanimadora para a juventude angolana.
“No que toca à realidade, na verdade, os concursos públicos acabam sendo um âmbito de frustração para a juventude que está ávida à procura do primeiro emprego. Primeiro, pelo número muito diminuto de vagas disponibilizadas e depois, muitas das vezes, por conta das capacidades diminutas que a juventude hoje tem, muito por conta da grande onerosidade que se passa à formação em Angola, mas também por conta de requisitos, às vezes, extrapolados, exigidos nos concursos públicos”, aponta Fortunato.
Ela acrescenta ainda que “o mal maior de todos, que ainda pesa sobre os concursos públicos, que é o nepotismo, que é, infelizmente, o ingresso por via do conhecimento, por via do sobrinho, do tio, do primo, do fulano, que vai frustrando cada vez mais a juventude e vai crescendo no seu desempenho”.
A Voz da América tentou o falar com Anderson Paulo Mota, director do Gabinete de Tecnologia de Informação e Comunicação Institucional, do Ministério do Interior, mas sem sucesso.
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