Para haver reconciliação tem que haver verdade, disse no Angola Fala Só, Miguel Francisco "Michel" um dos sobreviventes das prisões e campos de concentração para onde foram enviadas milhares de pessoas após a alegada tentativa de golpe de estado de 27 de Maio de 1977 em Angola.
Para Michel, autor de vários livros sobre esses acontecimentos, a reconciliação não pode ser alcançada com "uma declaração de dois minutos".
"Para haver a verdade tem que haver a verdade, temos todos que assumir as nossas culpas”, disse Michel, que antes de ser preso comandava a 9ª Brigada estacionada em Luanda. Michel disse no programa que não é sua intensão julgar ou condenar aqueles que cometeram atrocidades mas, disse, “tem que haver uma comissão de verdade”.
“Foi assim no Chile, foi assim no Brasil, foi assim na África do Sul e eu não desejo-lhes mal”, disse em referência àqueles que diz terem sido responsáveis pela repressão e mortes.
Para Michel “o MPLA tem essa obrigação”.
O antigo membro do MPLA e comandante militar disse que ele e outros sobreviventes enviaram uma carta ao Presidente José Eduardo dos Santos propondo uma discussão “interna” da questão “ para depois se vir a público”.
A “magnitude do problema” requer isso, disse Michel para quem “dentro do MPLA há forças que participaram na repressão e se opõem ao diálogo sobre esta questão”.
“O 27 de Maio deveria ser discutido de forma desapaixonada” defendeu.
Miguel Francisco “ Michel” disse que “ao contrário do que as pessoas podem pensar” os acontecimentos de 27 de Maio de 1977 “não tiveram nada a haver com a ideologia” ou “com o racismo”.
A ala de Nito Alves queria discutir quem “do ponto de vista real, quem deveria tratar o futuro de Angola, a minoria ou a maioria?”.
Interrogado sobre se isso não envolve a questão racial, Michel disse que o mesmo acontece em França ou em Portugal onde há minorias e maiorias.
Não havia nenhum fraccionismo
“Não vejo um negro ser eleito presidente da França ou de Portugal”, argumentou.
Michel rejeitou também a acusação de “fraccionismo” contra Nito Alves e os seus apoiantes.
Fraccionismo, disse, implica dividir e “não existia nenhum fraccionismo”.
“Havia alas e isso é normal, existe em todos os partidos do mundo,” disse.
“Uma ala não é uma fracção,” acrescentou.
Michel disse que o modo como foi levada a cabo a repressão após os confrontos de 27 de Maio, indicam-lhe que as prisões e mortes tinham sido preparadas com antecedência.
O autor descreveu os horrores a que assistiu no campo de concentração para onde foi levado no Moxico, onde presenciou a morte de dezenas de pessoas.
Muitas foram fuziladas,outras morreram devido ao facto do campo não ter condições, morrendo de doenças e das brutalidades a que foram submetidos.
“Eu enterrei mortos,” disse afirmando que houve alturas em que morriam “10 a 12 pessoas por dia”, pessoas que poderiam agora estar a dar um contributo a Angola.
“Devia discutir-se em público toda esta questão para poder haver reconciliação", apelou.
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