O Presidente José Eduardo dos Santos tem feito uma governação “muito equivocada”, disse o escritor angolano José Eduardo Agualusa para quem “não fica bem ao Presidente privilegiar a sua família”.
Ao responder a perguntas dos ouvintes no programa Angola Fala Só, da VOA, nesta sexta-feira 15, Agualusa defendeu a necessidade de uma alternância política no país, afirmando que a “alternância confirma a democracia”.
“Dificilmente pode-se acreditar em democracia sem alternância”, disse Agualusa para quem há indícios de que “o Governo está a retroceder (em termos de direitos democráticos) à medida que se aproximam as eleições”.
“A ala mais reaccionária do partido (no poder) está a mostrar os dentes”, disse peremptoriamente o escritor que denuncia uma tentativa de “silenciar todas as vozes independentes”.
Os temas políticos mais abordados nos 60 minutos de conversa com os ouvintes foram a recente decisão do Presidente de autorizar a compra de um avião de luxo para12 pessoas por 62 milhões de dólares e os confrontos no Huambo entre os fiéis da seita A luz do Mundo e a polícia, durante os quais morreu um número ainda indeterminado de pessoas, mas que, segundo denuncia dos partidos da oposição, relatos poderá ascender a centenas.
José Eduardo Agualusa disse que é do próprio interesse do Governo angolano permitir uma investigação aberta e isenta aos acontecimentos no Huambo. Caso contrário, disse “fica a suspeita de que algo muito grave se passou”.
“Quanto mais se atrasa, pior é para a imagem do Governo pois fica-se com a imagem de que está a tentar ganhar tempo”, explicou, acrescentando que as autoridades deveriam “abrir as portas e agilizar” uma investigação independente.
Quanto à compra do avião numa altura de crise em Angola “é chocante”. Agualusa afirma que “não se percebe porquê, não se percebem as prioridades do Governo”, e faz notar “o abismo social” que existe no pais.
Durante o programa José Eduardo Agualusa teve também a oportunidade de discutir os seus livros e em resposta a perguntas de ouvintes debruçou-se particularmente sobre o seu romance histórico “Rainha Ginga”, que disse ter sido uma tentativa demonstrar a contribuição de África na construção de Angola e do Brasil, bem como na transformação de Portugal.
Para Agualusa é preciso “contar a história de uma perspectiva africana”, porque ”a história não é uma ciência exacta”.
“Não há uma verdade histórica, há um conjunto de versões (de acontecimentos) e o importante é ouvir as diferentes versões da história”, disse o escritor, para quem, esta leitura aplica-se também à situação mais recente em Angola, onde se deveria “ouvir as diferentes forças políticas”.
“Isso é o mais importante”, afirmou o escritor, lembrando que "há ainda que contar a história da guerra em Angola".
“Falta um grande romance de guerra”, disse, sublinhando que a guerra traz consigo muitas historias e “muitas tragédias”.
Sobre o estado actual da literatura angolana, José Eduardo Agualusa afirmou que “o país prometia mais em 1975”, mas não foram feitos esforços suficientes para promover a literatura.
Para o escritor angolano, devia-se ter criado uma rede de bibliotecas públicas e “isso não foi feito”.
“A literatura não se desenvolveu tanto quanto podia”, apesar de haver novos valores. É que, rematou, Angola é um país rico “em histórias para contar”.
Agualusa lamentou, no entanto, que por diversas razões é mais fácil para os escritores angolanos publicarem em Portugal ou no Brasil do que em Angola
O escritor falou ainda sobre a política americana em relação a África, tendo deixado claro que esperava mais do presidente Obama. “Eu esperava que o Presidente Obama fosse mais activo na democratização de África”, revelou, lembrando que podia até ter um passaporte queniano pois o seu pai era cidadão do Quénia.
”Nesse aspecto foi uma desilusão”, concluiu José Eduardo Agualusa.