A constante concessão de créditos para baixar preços de produtos alimentares importados em tempo de campanha eleitoral em nada contribui para o o propagado objectivo do governo de fomentar a produção interna, disseram analistas locais.
Com o pacote de 52,6 milhões de dólares americanos para alimentos a favor de famílias carentes em Angola ainda sem execução, João Lourenço, candidato do MPLA à Presidência da República, aprovou a 23 de Julho, um dia antes do arranque da campanha eleitoral, 79,8 milhões para baixar o preço dos produtos da cesta básica, num novo crédito adicional a um orçamento .
Num Diário da República com 128 páginas, o Executivo aprova, entre quatro créditos adicionais ao OGE/2022, subsídios a preços para a operacionalização da Reserva Estratégica Alimentar.
Antes deste crédito adicional, João Lourenço tinha aprovado três, que totalizavam 115,7 milhões de dólares, valor que incluía também, entre outras acções, a construção de infra-estruturas.
A Reserva Estratégica Alimentar, a cargo do grupo Carrinho Empreendimentos, começou a ser constituída, há quase dois anos, com 200 milhões de dólares, um orçamento para dar cobertura a onze produtos.
Segundo o secretário-geral da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), José Maria Katyavala, os sucessivos créditos adicionais transmitem a ideia de que o discurso da auto-suficiência mediante aposta interna, usado por Lourenço nesta campanha, não passa disto mesmo.
“Admito que o recurso à importação ainda é inevitável, mas neste momento os valores deviam ser prioritariamente para fortalecer a produção interna”, disse José Maria, acrescentando que “este valor para as importações transmite a ideia de contradição entre aquilo que é o discurso e a prática”.
Antes, com o país ainda em pré-campanha, o agora Presidente cessante aprovou, por ajuste directo, um contrato milionário para a distribuição de alimentos a famílias vulneráveis, que aguarda pelo início da implementação.
José Maria Katyavala acha que “pelos timings é uma medida que deixa de ser eleitoralista, mas seja como for vai ganhar o país, era bom que tivéssemos eleições todos os anos, como se diz”.
O último crédito adicional para a Reserva Estratégica Alimentar está patente num Diário da República de Sábado, que dá conta de três outros créditos, de 153 milhões de dólares, para obras, não especificadas, em Luanda, Benguela e Namibe.
São exercícios que levam o consultor social João Misselo da Silva, quadro da Organização Humanitária Internacional (OHI), a olhar para o que chama de falta de ética e sinais de corrupção eleitoral.
"É limitada toda a acção ligada a contratos, com entidades privadas nacionais e internacionais, por conta da ética na política, baseada no respeito pela concorrência”, disse.
“Há violação ligada ao princípio da transparência na governação, tudo corre no sentido da corrupção eleitoral”, acrescentou.
Sexta-feria, 22 de Julho, um dia antes da publicação deste número do Órgão Oficial da República de Angola, Benguela esteve movimentada com o lançamento da primeira pedra para a construção de um hospital para a Catumbela e inaugurações de estradas e universidades públicas, que ainda hoje recebem os chamados retoques finais.
A maior parte dos partidos concorrentes passa ao lado deste pormenor, mas o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, vem reforçando nesta campanha o velho aviso de que muitos acordos são passíveis de revogação
“Qualquer ilegalidade pode ser revista, por isso peço atenção aos actores que podem estar a ser vítimas também do ludibrio , do engano. O cuidado é na defesa da ética e dos valores”, disse.