A sentença decretada pelo Tribunal Provincial de Luanda aos 17 activistas cívicos está a dividir a opinião de analistas.
Especialistas em direito reprovam a atitude do Juíz da causa, Januário Domingos, que no final do processo decidiu fazer a covulação dos crimes de rebelião e tentativa de golpe de Estado - sob os quais os 17 réus eram inicialmente acusados - para o crime de “associação de malfeitores”, cuja pena, nos termos do código penal angolano, varia entre 2 a 12 anos de prisão efectiva.
Para o jornalista Reginaldo Silva as penas foram “pesadas de mais”, na medida em que terão ultrapassado os níveis previsíveis, já que, os arguidos tinham sido acusados por um crime, porém sentenciados por outro, o que na sua visão afectou o entendimento de quem é especialista na matéria.
“As coisas em termos de apreiação pelos juizes rompeu ou afectou o entendimento que muitos juristas têm da apliação do direito a este nível. O tribunal andou tão mal neste caso que era previsível que estes tipos de reacções viessem acontecer”, defendeu.
A sentença ditada contra os réus mereceu diferentes reações a nível internacional. O Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, a União Europeia e a Amnistia Internacional são algumas instituições estrangeiras que reagiram ao acórdão do Tribunal Provincial de Luanda considerando que o mesmo fere o direito a liberdade de expressão.
Luanda repudiou imediatamente a reacção destes organismos internacionais, tendo convocado uma reunião com os diplomatas da União Europeia onde advertiu para não ingerência nos assuntos internos do país.
O jornalista e analista político Reginaldo Silva considera o processo e as reações dele decorrentes como “fracturante” do ponto de vista político e social que está a dividir o país e com o agravante de ter consequências a nível internacional.
Para ele “por mais que se aleguem razões de soberania, num mundo cada vez mais globalizado os Estados já não têm possibilidade de fechar as fronteiras, até porque Angola está ligada ao sistema internaiconal de protecção dos direitos humanos, disse o jornalista para mais adiante referir que “tratando-se de um processo em que estiveram em causa e continuam a estar direitos fundamentais, não parece que seja tão anormal que as os Estados, organizações ou personalidades além fonteiras se pronunciem sobre ele.
Em Junho de 2015, a quando da sua detenção os 17 activistas eram acusados pelo crime de tentativa de rebelião e atentado contra o Presidente da República. Porém, após cinco meses de julgamento e por altura das alegações finais, o Ministério Público entendeu ilibá-los do crime de que vinham sendo acusados para imputá-los o delito de “associação de malfeitores”.
No final do julgamento o juiz entendeu fazer convulação de crime. Esta atitude do magistrado tem sido o centro da discórdia entre diferentes juristas que analisam o caso.
Diversos órgãos de comunicação têm estado a promover debates a propósito da sentença do julgamento mais mediatizado dos últimos tempos.
Na terça-feira 29 de Março a TV Zimbo, uma das mais antigadas tv privadas de Angola, abordou o assunto. Entre os convidados estiveram os juristas Esteves Hilário e Tito Kambanji.
Para o Constitucionalista Esteves Hilário faltou neste processo o respeito ao princípio do contraditório que devesse dar aos réus a possibilidade de se defenderem das novas causações.
O jurista que reprova a convulação do crime feita pelo juiz da causa, entende que a sentença peca pelo facto de não ter havido uma nota prévia sobre acusação de “associação de malfeitores”.
“Por isso é que eu digo qu o princío do contraditório não foi amplamente observado”
Contrariando o jurista Esteves Hilário, o advogado Tito Kambanji refere que a convulação no processo judicial é legal e respeita as normais da Constituição, caso os elementos constituintes do crime estejam presentes na nova acusação. O Jurista prefere “jogar na reserva” aguardando pela decisão do Tribunal Supremo, ao qual os defensores dos réus já recorreram.
Tito Kambanji defende por outro lado que a convulação enquanto princípio basilar do direito é passível de ser aplicada, embora considere que o juiz devia ter sido mais brando na sua decisão. Para ele, esta medida não viola nenhuma norma, mas obriga ao magistrado a provar que os elementos constituitivos desta pena aplicada estão previstos, caso contrário o processo será considerado “nulo”, pelo Tribunal Supremo.
O Jurista Esteves Hilário chama atenção para o respeito do princípio da constitucionalidade, referido no artigo 177 da Constituição da República, que orienta os juizes a conformarem as suas decisões à Carta magna de Angola, antes de tudo, para a posterior conformarem à legalidade.
Para Esteves Hilário o juiz do caso 15+2 feriu a Constituição da República ao fazer a convulação no fim do julgamento, não permitindo que o crime convulado fosse amplamente discutido durante as audiências.
“Não é que seja inconstitucional a convulação. É que a convulação de um tipo penal que não foi discutido durante as audiências fere o princípio do contraditório. Só é constitucional se ela tiver sido produzida das discussões em sede de julgamento, aclarou.
Legalidade da pena aplicada a cada réu
O Tribunal de Luanda decidiu aplicar pena de prisão diferente a cada um dos réus. O jornalista, docente universitário e activista Domingos da Cruz foi condenado a 8 anos de prisão, ao passo que Luaty Beirão 5 anos, sendo que os outros 15 arguidos foram condenados a penas que variam dos 2 anos e seis meses aos 4 anos.
Sobre as diferentes molduras penais, o Jurista Tito Kambanji refere que a medida é legal num Estado Democrático de Direito, apesar de entender que devia haver penas mais brandas.
O Constitucionalista Esteves Hilário esclarece que o facto de estarem todos envolvidos no mesmo processo não implica que tenham a mesma pena, pelo que, isto depende da responsabilidade de cada um no crime de que são acusados.
“Podemos perceber que o tribunal entendeu que cada um dos réus tinha uma particiapação específica no processo. Portanto as penas são correspondentes as responsabilidades de cada um no processo”, explicou.
O recurso ao Tribunal Supremo
Os advogados de defesa dos activistas já recorreram da sentença ditada pelo Tribunal Provincial de Luanda, por esta altura aguardam a avaliação do processo a ser feita pelo Tribunal Supremo.
O Jurista Tito Kambanji esclarece que o direito de recurso ao Supremo não é restrito aos defensores dos réus. O Ministério Público também pode recorrer da sentença caso entenda. O advogado pensa que esta prática é normal num Estado de Direito e Demorático como Angola.
Uma vez reanalisados os factos pelo Tribunal Supremo, esta instituição judicial de recurso tem três possibilidades: O agravamento da pena, conforme previsto no código de Penal angolano, no seu artigo 667, confirmar a decisão do Tribunal ou decretar a nulidade do processo.
A declaração de nulidade do processo por inconstitucionalidade, segundo o jurista Esteves Hilário, pressupõe a restituição à liberdade aos réus “e todos os outros efeitos secundários da condenação desparecem”.
O Tribunal Supremo não poderá agravar a sentença decretada pelo Tribunal de Comarca a menos que este órgão entenda que “quer a associação de malfeitores, quer os actos preparatórios de rebelião não são os tipos penais que se aplicam àqueles factos e encontrar uma pena maior”.
Em sede da alegação os advogados de defesa podem fazer um pedido cautelar de habeascorpos, segundo os juristas.
“O tribunal supremo ao apreciar este processo, antes de mais vai apreciar o habeascorpos. É legal ou ilegal esta recondução dos indivíduos à prisão? Se o Tribunal Supremo entender que o juiz andou mal no sentido de não aplicar os efeitos suspensivos com o recurso, então manda devolvê-los a situação anterior a sentença, ou seja, os que estavam permanecem em liberdade e os que estavam em prisão domiciliar permanecem em prisão domiciliar”, disse o constitucionalista Esteves Hilário que por outro lado acresentou que “só depois disto é que o Tribunal Supremo há-de entrar no mérito do processo”.
O facto de no final do processo de julgamento, o juiz dos 15+2 ter feito a convulação do crime, em consequência disso condená-los, alguns especialistas em Direito entedem que o magistrado já tinha previamente uma opinião formulada sobre o processo.
Esta prática, de acordo com o Jurista Tito Kambanji, tem sido recorrente em Angola, pelo que, refere o advogado, é reprovável e deve ser combatida, sob pena de se continuar a fazer uma avaliação negativa do sistema de justiça angolano.
De acordo com informação divulgada pela imprensa angolana, os advogados de defesa dos 15 mais duas já interpuseram recurso diante do Tribunal Supremio, ao mesmo tempo que se preparam para do mesmo modo, se neessário, recorrerem ao Tribunal Constitucional.