A recente condenação do antigo edil da cidade de Maputo, David Simango, a uma pena de um ano e meio de prisão, convertida em multa, por corrupção, voltou a soar o alarme em torno de uma tendência considerada preocupante por analistas moçambicanos para a protecção da nomenclatura envolvida em actos de corrupção por parte da Justiça, que, dizem, anda a reboque do poder político.
"Nota-se, claramente, um esforço no sentido de proteger a nomenclatura, que é aquela que orienta os órgãos da justiça", acusa o analista Sande Carmona, anotando que "se David Simango não tivesse ligação com o partido no poder, teria sido condenado a uma pena mais pesada".
O analista Fernando Lima diz que a conversão da pena de prisão em multa está prevista no quadro legal moçambicano, mas critica a forma pouco clara como isso tem sido feito, defendendo a ideia de que o sistema de justiça anda a reboque do poder político e aponta a maneira como foram feitas as detenções no âmbito do processo das dívidas ocultas como uma das provas disso.
Lima refere que "se olharmos para este processo, vimos, exactamente, as circunstâncias em que uma série de pessoas foram presas, da mesma forma como anteriormente, todas essas pessoas gozavam de liberdade, não obstante haver claras suspeições do seu envolvimento em vários ilícitos, foi preciso haver uma directiva de natureza política para que este processo avançasse".
Por seu turno, o também analista José Machicame corrobora que a conversão da pena de prisão em multa está prevista no dispositivo legal do pacote anti-corrupção, que, entretanto, tem sido alvo de críticas da sociedade, pela brandura das suas penas.
Ele avança que, "genericamente, têm sido feitas críticas muito severas por parte de activistas anti-corrupção de dentro e de fora do país, há crimes no nosso quadro legal que são condenados por essas penas brandas e que noutros países têm molduras penais mais pesadas".
Figuras de topo beneficiam-se de penas leves
Para aquele analista, a expectativa da sociedade é que as pessoas que tenham sido condenadas por crimes de corrupção, cumpram a pena, mas muitas vezes, "figuras de topo acabam beneficiando de penas convertidas em multa".
E o que preocupa mais o analista Fernando Mbanze não é, necessariamente, a conversão da pena, mas o proteccionismo em relação à nomenclatura, porque no que diz respeito a David Simango, por exemplo, há muito mais questões que deviam ser investigadas.
Na sua opinião, David Simango, "ao longo da sua governação na cidade de Maputo, teve outros comportamentos que poderiam ser matéria de investigação, por exemplo o caso referente à construção de uma estrada, que segundo especualções, esteve envolvida em esquemas de corrupção".
O analista Borges Namirre, entende, igualmente, que no contexto do Código Penal moçambicano, todas as penas de prisão não superiores a dois anos são convertiveis em multa ou podem ser penas suspensas.
Mudar o Código Penal
Namirre afirma que "enquanto não se mudar o Código Penal, não há muita coisa a fazer, mas o que se tem feito noutros países é que para crimes de corrupção não há pena suspensa nem pena convertida em multa, e no nosso caso, o tribunal não tinha como aplicar outra lei que não essa".
"O problema disso é que aos olhos dos cidadãos, só pagam pela corrupção o polícia municipal, enfermeiro ou professor, mas figuras grandes não, porque têm condições para a multa e contratar melhores advogados, uma pena de ano e meio de prisão convertida em multa é muito dinheiro, e como o professor não tem esse dinheiro, fica na cadeia", realça aquele analista.
Por outro lado, o facto de, no caso concreto do julgamento de David Simango, por crime de corrupção, não ter sido julgado também o corruptor, está, igualmente, a provocar um alarme na sociedade.
Alega-se que não houve corruptor.
"Tinha que aparecer o corruptor, e sem isso, a equação não é completa, porque se alguém é condenado por corrupção passiva, existe quem cometeu a corrupção activa", defende Borges Namire.
Contudo, uma fonte da Associação Moçambicana de Juízes negou a existência de qualquer influência sobre os órgãos de justiça.