A modernidade tem transformado o alembamento, um ritual tradicional angolano que simboliza a união entre famílias, representando o pedido de casamento de uma mulher aos seus familiares.
Atualmente, os dotes solicitados são frequentemente reduzidos a transações financeiras. Em outros casos, bens materiais de luxo são requisitados como condição para a união do casal. Essa mudança tem afastado a prática da sua essência cultural e comunitária, conferindo-lhe contornos económicos e financeiros criticados por muitos angolanos.
Scoth Kambolo, linguista e docente universitário, destaca que o alembamento é uma instituição ao serviço da cultura, dos povos e da harmonia intracultural. Alerta que a descaracterização da prática, especialmente pelo exagero na solicitação de dotes, está abrir espaço para especulação e aproveitamento financeiro.
“Quando se exige até terrenos ou geradores, estamos a desvirtuar a instituição do alembamento, e isso não é aceitável. Devemos condenar tais práticas,” afirmou o académico que defende, por outro lado, a criação de legislação para regulamentar esta prática, citando como exemplo a província de Cabinda, onde os dotes exorbitantes têm levado muitos jovens a abandonar o ritual.
Scoth Kambolo refere que a impossibilidade de realizar o alembamento pode gerar consequências graves para os casais. “Sem o alembamento, o marido não tem direitos sobre os filhos nem sobre a família que construiu”, explicou.
Tony Frampénio, dramaturgo e diretor de arte, reforça que a dimensão simbólica do alembamento tem sido sobreposta por valores capitalistas, transformando-o num mero instrumento financeiro. “Hoje, com a perda desses elementos, o casamento e os dotes passaram a ser vistos apenas pela ótica financeira, excluindo o significado simbólico e cultural que deveriam carregar. Isso cria problemas graves, como a violência doméstica e a falta de respeito mútuo, uma vez que o homem pode sentir que adquiriu a mulher como propriedade,” alertou o especialista.
O analista denuncia o fenómeno da “entrega de coisas”, uma prática moderna que anula a cerimónia tradicional de receção dos dotes e entrega da noiva ao esposo.
Para o docente universitário Scoth Kambolo esta situação se deve à "colonialidade cultural", que ele define como um fenómeno sustentado pelas elites para apagar os hábitos e costumes da tradição angolana. “Assim como ocorreu na era colonial, este projeto continua ativo e é apoiado por entes legais,” declarou.
Em dezembro de 2024, o linguista e docente universitário Scoth Kambolo lançou a sua primeira obra literária, intitulada “Sem Alembamento não há casamento”, que denuncia a mutilação da cultura africana, especialmente no que tange à tradição angolana.
O autor defende que o alembamento deve ter o mesmo peso jurídico-legal que os casamentos civis e religiosos, destacando a importância de se dar à prática o devido reconhecimento. “O que falta é vontade cultural, social e política. Se continuarmos a olhar o alembamento com desdém, as gerações futuras também o menosprezarão,” afirmou.
Tony Frampénio, por sua vez, também sugere que a legislação angolana torne o alembamento uma prática obrigatória e reconhecida pelo Estado. “A estagnação dessa tradição é uma oportunidade para juristas, antropólogos e legisladores desenharem políticas públicas que a fortaleçam,” concluiu.
Por fim, Scoth Kambolo defende a sistematização dos conhecimentos ligados à cultura angolana e a sua aceitação com respaldo legal. Ele acredita que é necessário promover mais diálogo sobre a cultura angolana. “A ciência também é produzir os nossos saberes. Angola precisa reconhecer o alembamento como uma união legalmente válida entre homem e mulher,” afirmou.
O alembamento, enquanto elemento crucial da cultura angolana, tem a sua importância destacada no Dia da Cultura Nacional, celebrado em 8 de janeiro. A data, instituída em homenagem ao discurso proferido em 1979 por Agostinho Neto, serve como reflexão sobre o papel da cultura na construção da identidade nacional. Neste ano, as celebrações ocorreram na província do Huambo, com a participação do Presidente da República, João Lourenço.
O académico e autor do livro sobre o alembamento, Scoth Kambolo conclui com um apelo pela criação de espaços culturais e investimentos que permitam à juventude expressar a sua criatividade. “A cultura é muito mais do que dança ou teatro. É até também um elemento fundamental para a segurança nacional,” finalizou.
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