O ano de 2015 conheceu um aumento exponencial de violações dos direitos humanos em todas as regiões do mundo e o sistema que protege esses direitos humanos está minado e fortemente ameaçado.
A conclusão é da Amnistia Internacional(AI) que divulgou o seu Relatório de 2015/2016 nesta quarta-feira, 24.
“A protecção internacional dos direitos humanos está em risco de soçobrar conforme as políticas de interesses nacionais a curto-prazo e uma repressão draconiana em nome da segurança estão a resultar num ataque cerrado a liberdades e direitos fundamentais”, denuncia o secretário-geral daquela organização de defesa dos direitos humanos.
Salil Shetty alerta que os direitos de todos estão em perigo porque “estão a ser tratados com um desdém absoluto por muitos governos”.
A organização destaca 18 países que já alteraram as leis e os sistemas que protegem os direitos humanos, de acordo com "políticas de interesses nacionais" e de "repressão draconiana em nome da segurança".
Entre eles, Angola é o único país de língua oficial portuguesa (ver texto à parte).
A AI denuncia que milhões de pessoas estão a sofrer enormemente às mãos dos Estados e de grupos armados, enquanto governos retratam descaradamente a protecção dos direitos humanos como uma ameaça à segurança, à lei e ordem ou a supostos “valores’ nacionais”.
A assessora de direitos humanos da secção brasileira da AI Fátima Mello resume, em três grandes aspectos, o cenário dos direitos humanos no mundo.
“Aumento das violações em todo o mundo em consequência da chamada Guerra ao terror, o aumento dos refugiados e o crescente aumento de conflitos por terra e recursos humanos cometidos pelas grandes empresas”, explica Mello em conversa com a VOA.
Ao mesmo tempo, diz, assiste-se a uma crescente repressão à dissidência e aos protestos em todo o mundo e “a um desmoronar do sistema de protecção dos direitos humanos das Nações Unidas, em particular do Conselho de Segurança”.
A AI denuncia o facto de o Tribunal Penal Internacional, o Conselho da Europa e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos estarem a ser minados e “debilitados por governos que escapam à fiscalização do que está a ser feito nos seus territórios”.
Todos violam
O relatório daquela organização, de mais de 400 páginas, documenta a violação dos direitos humanos em mais de 122 países que torturaram ou sujeitaram pessoas a outros maus-tratos, enquanto 29 deles forçaram ilegalmente refugiados a ficarem em países onde se encontram em perigo.
Crimes de Guerra e outras violações das leis de Guerra foram praticados em 19 países, tanto pelos governos como por grupos armados.
Para Fátima Mello, outro aspecto altamente preocupante é a perseguição e repressão dos defensores dos direitos humanos em todo o mundo, particularmente de governos “que não só impedem o seu trabalho como impedem denúncias e, em muitos casos, levam-nos aos tribunais e os encarceram apenas por denunciar as violações”.
Mello aponta o dedo ao que afirma ser a “chamada Guerra contra o terrorismo, e que levou muitos governos, entre eles os Estados Unidos e outros, a violarem todo o tipo de direitos, alegando estar a defender a segurança nacional e da civilização”.
Sistema das Nações Unidas falido
As Nações Unidas (ONU) e os seus organismos e agências de protecção dos direitos humanos e dos refugiados sofreram profundamente em 2015 com a hostilidade e negligência de governos.
No relatório da AI, lê-se que a ONU foi criada para “salvar gerações sucessivas do flagelo da guerra” e para “reafirmar a crença nos direitos humanos fundamentais, mas, na actualidade, “está mais vulnerável do que nunca”.
O conflito na Síria é, para a organização, “um exemplo atroz das consequências que tem para as pessoas o falhanço do sistema da ONU em cumprir o seu papel crucial de fazer valer os direitos e a lei internacional e garantir a responsabilização”.
A assessora de direitos humanos da secção brasileira da AI acredita, no entanto, que esse fenómeno, que minou principalmente o Conselho de Segurança da ONU, pode ser uma porta de esperança para o futuro.
“Não se pode ir mais fundo e a ONU e os governos estão conscientes de que têm de mudar o sistema e reforçar a defesa dos direitos humanos, caso contrário entramos numa situação de catástrofe total”, explica Fátima Mello, que espera uma nova forma de pensar e actuar.
Outra luz, para Mello, "é o aumento também de denúncias e de pessoas e organizações de protestam e dão a conhecer a todo o mundo as violações dos direitos humanos.
O relatório divulgado pelo secretário-geral da AI Salil Shetty conclui que “os governos têm de pôr fim ao ataque que estão a fazer aos nossos direitos e fortalecer as defesas que o mundo estabeleceu para os proteger porque os direitos humanos são uma necessidade, não um acessório, e os riscos para a humanidade nunca foram tão altos”.