Amilcar Cabral, o líder da luta pela Independência da Guiné-Bissau, onde nasceu, e de Cabo Verde, onde cresceu e de onde eram seus pais, é considerado por historiadores, estudiosos e políticos uma das mais maiores figuras do nacionalismo africano.
Ele liderou a luta no campo militar, diplomático e ideológico até ser morto por um dos seus guarda-costas a 20 de Janeiro de 1973, um mistério que ainda continua por desvendar-se.
No momento em que os seus escritos vão ser submetidos ao programa Memória do Mundo da UNESCO, aparentemente na contramão, a propósito do seu centenário, a 12 de setembro de 2024, na Guiné-Bissau e Cabo Verde, começam a surgir posicionamentos que questionam a figura de Cabral.
Em certos setores, fala-se de um suposto revisionismo em torno de Amilcar Cabral, enquanto outros apontam o dedo à "captura" dele pelo PAIGC e pelo PAICV, nos respetivos países.
No dia 30 de outubro, o Parlamento cabo-verdiano chumbou, apenas com votos do partido no poder, o MpD, uma celebração a nível do Estado do seu centenário, enquanto a Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau aprovou no dia 20 de novembro uma moção que prevê uma celebração para marcar a efeméride, mas com 20 abstenções, todas da oposição.
Apropriação de Cabral
No programa Agenda Africana, da Voz da América, o jurista e analista político guineense Carlos Vamain diz que "não está em causa a figura de Amilcar Cabral", mas sim "a sua apropriação pelo PAIGC, da personalidade, da obra, tudo de Amílcar Cabral".
Sendo "Cabral um património comum a todo o povo da Guiné-Bissau", Vamain afirma que muitos setores não veem bem que um partido se aproprie de "uma personalidade de vulto que, de fato, fez um trabalho para todo o povo".
"A independência da Guiné-Bissau está estreitamante ligada ao nome e à personalidade desse vulto maior da história da Guiné-Bissau", aponta aquele analista político, para quem Cabral não pode ser "propriedade de um partido, principalmente quando se está num quadro de multipartidarismo".
Carlos Vamain, que descarta qualquer revisionismo do papel e da figura de Cabral, acredita que esses sentimentos podem ser ultrapassados "desde que o PAIGC se afaste dessa corrente histórica" e que se abra à sociedade, por ser "um patromónio comum.
O sociólogo e investigador cabo-verdiano Nardi de Sousa também descarta qualquer revisionismo da figura de Amílcar Cabral e justifica o chumbo com a "visão pouco limitada dos nossos deputados" e em torno de "uma espécie de conflito ideológico que não faz sentido".
Mais estudo e menos bloqueio institucional
Para Sousa, "Cabral é um património mundial, como pensador, como intelectual" e para se entender essa figura há que"estudar o pensamento e o legado" dele, compreender as dinâmicas do século 20, a luta pela libertação dos povos, a luta pela emancipação de África, que ainda não foi totalmente conseguida, mas que é a própria liberação do mundo.
Aquele professor universitário, que tem vários escritos sobre Cabral, enumera os valores humanos do pensamento e da ação de Cabral, que se viram na própria luta de libertação, em que "os inimigos presos eram entregues à Cruz Vermelha Internacional", em vez de serem mortos.
No caso de Cabo Verde, Sousa não vê qualquer apropriação pelo PAIGC/CV do líder da luta e diz que, a existir, não é um argumento porque o papel de Cabral para a libertação dos dois países é reconhecido por todos.
"Cabo Verde só tem a ganhar com Amílcar Cabral", sublinha Nardi de Sousa que, questionado se a a obra dele é conhecido pelas novas gerações, responde que "as crianças conhecem Cabral, há muitos rappers que conhecem Cabral e mesmo que não seja de forma profunda, Cabral é uma inspiração.
Aquele investigador conclui que "o problema está no bloqueio institucional, não está nos jovens, nem em Cabral" e defende que as instituições devem dialogar, devem defender valores positivos e "Cabral é um valor".
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