A música cabo-verdiana tem sido cada vez mais estudada no país e no exterior, com ênfase na sua variedade, temas bem característicos, adaptação ou resistência a muitas influências, bem como a diversidade de intérpretes.
Esta nova onda – de estudos e até exaltação - pode derivar do facto de a música de Cabo Verde ter, também por força da diáspora e dinâmica turística do país, muita exposição internacional.
Em 792 páginas, divididas em quatro partes e 17 capítulos, que revelam entrevistas feitas a 245 pessoas de ambos os sexos, residentes no país e na diáspora, das quais 214 são homens e 31 mulheres de todas as faixas etárias e categorias profissionais, o sociólogo e etnomusicólogo César Monteiro traz agora uma verdadeira obra de fôlego, na qual expõe a diversidade de géneros e lança para o debate a inexistência de mais importante ou menos relevante género musical.
“Não pretendi trazer conclusões, mas abrir o debate, colocar à disposição das pessoas a enorme quantidade de informação recolhida”, afirma Monteiro em conversa com a VOA a propósito da sua mais recente obra “Música e Sociedade Cabo‑Verdiana – Múltiplos Olhares Sobre o Perfil e Obra de Manel d’Novas”.
Continuidade
A escolha de Manel d´Novas, de nome próprio Manuel de Jesus Lopes, considerado um dos maiores compositores de Cabo Verde, “para mim o melhor”, diz Monteiro, não é por acaso.
O também diplomata de carreira é biógrafo do compositor natural de Santo António, que escreveu as suas composições em grande parte nos mares do mundo, por onde navegou enquanto marinheiro.
Em 2003, Monteiro publicou “Manel d' Novas: Música, Vida, Cabo-verdianidade”.
Agora, como compositor de “várias dimensões”, diz Monteiro, “aprofundo a dimensão poética dele, aprofundo a dimensão religiosa, a lírica, a musicológica e em todas essas dimensões socorro-me de entrevistas, de testemunhas de depoimentos, por exemplo, do recentemente falecido Corsino Tolentino, do falecido Júlio Herbert, do poeta Corsino Fortes, do Ildo Lobo, do próprio Manel d´Novas”.
A partir desse naipe de entrevistas e trabalho de campo, aquele etnomusicólogo apresenta o que ele considera ser um “livro virado para a academia, rico em conceitos musicais, sociológicos, etnomusicológicos, mas que também é de leitura fácil para o cidadão comum”.
“O que consegui provar e comprovar é que diferente daquilo do que muita gente pensa, a música cabo-verdiana tem evoluído e tem-se modernizado não na linha da ruptura e da descontinuidade, mas da continuidade”, afirma César Monteiro, para quem o próprio Manel d Novas também prova isso.
Por exemplo, sustenta Monteiro, “não há ruptura entre a música de Manuel d´Novas e a de Eugénio Tavares, ou com a morna do Betu que é muito mais moderna”, sustenta.
Relevância social
Outro tema lançado a debate com esta obra surge com a análise da música cabo-verdiana assente na “relevância social que me parece mais adequada à nossa realidade, em vez de importância social”, diz Monteiro.
“A importância social pode ser um facto social pode ser discriminatório, porque o que é importante para mim pode não ser para ti”, argumenta o autor, para quem “devemos evitar criar uma hierarquia muito rígida”.
O livro traz letras das composições de Manel d´Novas e algumas partituras.
Para 2022, César Monteiro tem praticamente concluído o segundo volume, no qual vai apresentar outras dimensões da música cabo-verdiana como a personalidade do músico, os reflexos da pandemia e, ainda, as perspectivas futuras da música das ilhas.
Ouça a entrevista na rubrica Artes.