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Temas & Debates: Que Futuro para a Somália ?


Responsáveis militares americanos confirmaram, ontem, que aviões dos Estados Unidos atacaram, pela segunda vez, suspeitos alvos da rede terroristas Al Kaida, no sul da Somália.

Para já uma incursão militar que tem estado a ser criticada por determinados analistas e sectores políticos americanos, nomeadamente no Congresso, como foi o caso do novo presidente do sub-comité para a África da Câmara dos Representantes, o democrata Donald Payne, isto o numa altura em que paira sobre o futuro da estabilização da Somália uma névoa de incerteza.

De facto, a volátil Somália onde, recentemente, as milícias radicais islamistas foram expulsas da capital Mogadiscio, depois de seis meses de uma polémica e controversa governação e onde o governo interino, internacionalmente reconhecido, ensaia os primeiros passos, no sentido da imposição da autoridade do estado em toda a extensão do território nacional, com o apoio das tropa etíopes, volta a estar no topo da agenda da política internacional.

Em finais do ano passado, as tropas do governo o interino, fortemente apoiadas por tropas da Etiópia, lançaram uma ofensiva que culminaria na expulsão do poder do Movimento dos Tribunais Islâmicos.

Diga-se, um grupo que, ao longo dos seis meses de uma férrea e intolerante prática governativa naquele conturbado país, e que apesar de ter imposto a controversa sharia islâmica, acabou por conquistar o apoio popular, devido, em parte, à ordem que aparente que conseguiram impôr na há muito caótica capital.

Com a debandada das milícias islâmicas e consequente desmoronar do efémero apoio popular que lhe servira de suporte, a presença das tropas etíopes na Somália surge agora como um das mais polemicas componentes dessa renovada ordem pretendida para aquele pais.

William Zartman, investigador e professor da Escola de Estudos Internacionais da Universidade John Hopkins é de opiniãode que,apesar do determinante apoio de Adis Abeba na ofensiva para expulsão das milícias islâmicas, os somalis não desejariam, entretanto, vivenciar uma situação de um ascendente em termos políticos e de governação, dos etíopes no novo país em construção.

Zartman mobiliza, para o efeito, um tradicional provérbio somali : “se vires uma cobra e um etíope, mata primeiro o etíope porque a cobra pode não ser venenosa”.

Pondo as coisas nestes termos, torna-se fácil prever o quão difícil será porventura a convivência entre os somalis e as tropas de Adis Abeba, dobrada que for o período da “lua de mel”.

Para Zartman, a presença das tropas etíopes na Somália, acaba por suscitar uma forte oposição popular, devido em parte a complexa estrutura social dos somalis, fortemente marcada pela figura de clãs e de sub-clãs: “ O sistema está mais ou menos segmentado nestes termos. Eu sou contra o meu irmão. Eu e meu irmão somos contra o meu primo e eu e o meu primo somos contra o mundo exterior…”

Diga-se um mundo exterior aparentemente encarnado pela Etiópia.

David Shinn, académico da Universidade George Washington e ex-embaixador dos Estados Unidos na Etiópia, diz acreditar que, para superação da crise, os somalis terão que ser responsáveis e trabalhar de forma afincada, no sentido da consolidação de alianças com os ex-senhores da guerra: “ Este é o maior desafio que têm pela frente. Doutra forma, teremos o regresso dos políticos afectos aos senhores da guerra a Mogadiscio e ao poder. Isso não seria bom de todo, se porventura acontecesse.”

Mas, neste particular, os analistas são unanimes em admitir que os actuais governantes somalis têm, pelo contrário, dado mostras de uma certa inflexibilidade.

A atestar esse facto, numa recente declaração pública, o presidente interino da Somalia, Abdullahi Yusuf, garantiu que o seu governo não vai perdoar nem negociar com os líderes do Movimento dos Tribunais Islâmicos.

David Shinn acredita, entretanto, que seria do interesse do governo somali uma aproximação ás alas mais moderadas das milícias islâmicas, particularmente devido ao facto de muitos deles continuarem activos e estarem na periferia dos actuais centros do poder, na Somália: “ Muitos deles nem chegaram a abandonaram Mogadiscio. Não foram milícias, por conseguinte não eram combatentes. São simplesmente pessoas que acreditam na sharia islâmica e na ideia de criação de um estado islâmico na Somália”.

Mas, a situação na Somália poderá ter-se complicado nos últimos tempos, sobretudo depois dos ataques aéreos lançados pelos Estados Unidos contra alvos que, de acordo com o Pentágono, serviam de refúgio a supostos elementos ligados à rede terrorista Al Kaida, de Osama Bin Laden.

A Casa Branca, através do seu o porta-voz, Tony Snow, justifica o ataque como algo enquadrado na campanha de Washington contra o terrorismo internacional: “Faz parte da guerra global contra o terror e o ataque reitera esse propósito. As pessoas que pensarem que vão conseguir santuários para a Al Kaida, onde quer que seja, devem também assumir de que serão alvo de ataques das nossas forças”.

Para já, uma incursão militar que tem estado a suscitar algumas críticas por parte de analistas e sectores políticos americanos, nomeadamente no Congresso, como foi o caso do novo presidente do sub-comité para a África da Câmara dos Representantes, o democrata Donald Payne, que não encara as milícias islâmicas somalis como braços operações da rede terrorista Al Kaida.

Do lado dos Somalis, os ataques tem reavivado uma certa raiva e em certa medida um ódio, quanto mais não seja pelo facto de constituírem as primeiras operações militares do género, levadas a cabo por forcas americanas na Somália, desde o desastre que foi missão humanitária de 1994.

Nii Akuetteh, director executivo do grupo de pressão não governamental, “Africa Action” diz que a sua organização está preocupada com a situação na Somália, devido ao papel dos Estados Unidos naquele conflito: “Mais uma vez, parece-me ser a política de guerra global contra o terrorismo, a sobrepor-se a tudo o resto. E tenho a sensação, se me permite, que isso é um erro”.

Akuetteh acusa, por conseguinte, Washington de usar África, como campo de batalha para a sua campanha global contra o terrorismo, cenário que, segundo ele, pode ser equiparado aos tempos da guerra fria, quando Washington e Moscovo se batiam por um espaço de influência no continente africano.

Muitos somalis reagem de forma negativa à percepção de que os Estados Unidos poderão ter estado por detrás dos últimos acontecimentos na Somália, nomeadamente através do aval dado a Adis Abeba, para que invadisse aquele país vizinho.

Mas, para Gayle Smith, da Organização Não Governamental, Centro para o Progresso Americano, a Etiópia levaria avante a sua ofensiva para destronar as milícias islâmicas do poder na Somália, independentemente do apoio ou não dos Estados Unidos: “Suspeito que a Etiópia iria mesmo adiante ! Penso que eles estavam a agir e função da percepção que têm dos seus interesses nacionais. Eu não creio que tivessem visto isso, como algo que deveriam fazer pelos Estados Unidos. Convém não perder de vista que a Etiópia e a Somália tiveram guerras no passado.”

Gayle Smith entende ser uma percepção errada pensar-se que o futuro da Somália será dominado pelos interesses de Washington, cuja habilidade para um eventual controlo da situação, de acordo com esta especialista, está limitada: “ Os Estados Unidos não podem concertar isso. Os Estados Unidos têm um papel a desempenhar e, se tivermos uma estratégia inteligente, uma visão a longo termo e vontade de colaborar, de cooperar com os outros, penso que até poderíamos contribuir pela positiva para a estabilização da Somália”.

Mas, um outro problema reflectido pela presença etíope na Somália tem a haver com a Eritréia, um país, por sinal, que manteve, num passado recente, uma guerra gerada por disputas fronteiriças com a Etiópia.

A Eritréia está, por outro lado, entre os países acusados de ter armado e financiado as milícias do Movimento dos Tribunais Islâmicos somalis.

Entretanto, Nii Akuetteh, do grupo de pressão Africa Action entende que “quanto mais rápido a guerra terminar, tanto mais depressa os exércitos estrangeiros se irão retirar do país, o quanto mais abreviado for o processo de criação da força de manutenção de paz e das negociações entre as partes desavindas, “a ganhar sairia o processo de estabilização da Somália.

Para já, a Etiópia anunciou que pretende retirar as suas tropas da Somália dentro das próximas semanas e as organizações internacionais ultimam os preparativos para o envio de uma força de capacetes azuis do continente para aquele volátil país africano.

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