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O principio do fim do ciclo da impunidade em África ?


A prática dos imperadores, ditadores ou governantes procurarem refugio em santuários longe dos países que governaram, remonta ao século 19.

O antigo imperador francês, Napoleão, viveu exilado na ilha de Santa Helena, logo após a sua derrota na Batalha de Waterloo em 1815.

No Irão, o Shah Reza Palevi em fuga do país durante a revolução islâmica em 1979, esteve exilado nos Estados Unidos e posteriormente no Panamá isto antes de fixar definitivamente residência no Egipto, aonde viria a falecer.

A França, foi no passado um dos mais concorridos santuários de exílio, para as lideranças africanas sobretudo nos anos setenta, apeadas do poder.

A Arábia Saudita serviu de refugio ao ex-líder ugandes, Idi Amin; o Zimbawe a Mengistu Haile Mariam, da Etiópia; Mobutu Sesseko do ex Zaire preferiu passar os seus últimos dias em Marrocos, enquanto Hissan Habre, refugiado no Senegal, bate-se para evitar a sua extradição para a alçada de um tribunal internacional.

Influenciados por aquilo que os activistas dos direitos humanos, convencionaran designar por “Sindroma Pinochet”, desencadeado pelo mandado de captura do juiz espanhol Baltazar Garzon, contra o ex-ditador chileno, Augusto Pinochet, na altura em tratamento medico na Inglaterra, casos existem de lideranças que decidiram adoptar medidas de precaução face aos tentáculos do síndroma.

O ex-presidente congoles Laurent Kabila, chegou a enviar logo após a detenção de Pinochet, um emissário a Bélgica, com o propósito de conseguir garantias de Bruxelas , de que não seria detido a sua chegada a capital belga.

A mesma atitude conhece-se do ex-presidente Indonésio, Suharto que declinou receber tratamento médico na Alemanha, por recear eventuais acções judiciais movidas por activistas dos direitos humanos, pelos assassinatos cometidos durante a ocupação Indonésia a Timor Leste,

Sorte distinta teve entretanto o coronel Ely Ould Dah da Mauritânia, detido em Franca, por acusação de tortura de suspeitos golpistas nos anos 90.

Nos últimos tempos vários tem sido, ao nível do continente africano alguns tímidos sinais indiciadores de um iminente fim do ciclo da impunidade no continente.

Na Zâmbia, com base numa iniciativa da justiça local, encarada como exemplar, o ex-presidente Frederick Chiluba responde em tribunal, por acusações de corrupção e de peculato.

Recentemente o líder guerrilheiro congoles, Thomas Lubanga, foi apresentado ao Tribunal Internacional de Haia, onde responde por crimes de guerra e contra a humanidade, alegadamente decorrentes o conflito na Republica Democrática do Congo.

A mais recente detenção do ex-presidente liberiano e ex-senhor da guerra, Charles Taylor constitui entretanto o mais eloquente sinal no sentido de que a era da impunidade das lideranças em África, pode estar com os seus dias contados.

Esta é pelo menos a percepção de Fernando Gomes, ex-presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos.

“Isso representa um aviso serio, um sinal claro a todos os lideres africanos no sentido de que doravante a comunidade internacional não vai tolerar casos de violações dos direitos humanos praticados nos seus respectivos países. Infelizmente o nosso continente e fértil em ditaduras sangrentas, lideres sanguinários que ficaram impunes.”- frisa Gomes, actualmente líder de um partido da oposição na Guine Bissau.

Alice Mabote, da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, prefere adoptar uma postura menos optimista, quiçá mais cautelosa face aos eventuais efeitos da detenção de Charles Taylor na cruzada contra a impunidade em África movida pelas organizações dos direitos humanos.

Para esta activista moçambicana, apesar da detenção de Charles Taylor representar um feito histórico, um longo caminho resta ainda a ser percorrido.

“Esta detenção pode ser vista de duas maneiras. Serve para que determinadas potências e países lavem a cara ao nível do continente africano, mas pode igualmente representar uma viragem. Mas penso que para representar uma viragem, não se pode circunscrever a medida a apenas alguns indivíduos. Há muitos responsáveis por crimes e violações dos direitos humanos que continuam impunemente em liberdade. Estamos a falar de corrupção, estamos a falar de crimes cometidos durante os regimes mono partidários, que nunca foram julgados.

Já para Reed Brady, da organização activista dos Direitos Humanos, a Human Rights Watch com sede em Nova Iorque, a detenção do antigo líder liberiano, e sua transferencia para a custodia do tribunal internacional para os crimes de guerra na Serra Leoa, por resultar de uma acção de concertação entre dois países do continente, representa só por si um marco determinante no virar da pagina na cooperação judicial e penal em África.

“Eu acho que mostra que o mundo esta cada vez menos tolerante com personalidades acusadas de crimes contra a humanidade. Só que no continente africano, existe pouca tradição de lideres africanos serem levados a responder nos tribunais pelos seus actos. Mas o facto da detenção de Charles Taylor resultar da cooperação entre dois países africanos, neste caso a Libéria e a Nigéria, significa que a barreira da necessidade de cooperação judicial para casos do género foi superada. Resta agora esperar o que ira acontecer com os demais lideres procurados pela justiça, como e o caso por exemplo do ex-presidente do Chade, Hissan Habre, exilado no Senegal.”- sustenta Brady da Human Rights Watch, por sinal uma das organizações activistas dos direitos humanos na linha de frente da intensa pressão exercida sobre a Nigéria ,no sentido da transferencia de Charles Taylor para a custodia do tribunal internacional.

Criado em 2002, através de um acordo entre as Nações Unidas e o governo serraliones, o tribunal especial para os crimes de guerra cometidos na Serra Leoa tem entre outras atribuições, levar a justiça, suspeitos de responsabilidade pelos graves crimes cometidos durante a guerra civil naquele país da África Ocidental.

O tribunal especial integrado por funcionários da Serra Leoa e internacionais , considerado como um significativo modelo da justiça internacional, mantém de momento sob sua custodia nove acusados, três dos quais em julgamento.

Ao nível dos países africanos de língua oficial portuguesa, a Guine Bissau e foi ate então, o único país que chegou a ensaiar a possibilidade de accionamento de um processo judicial contra um ex-líder, neste caso o então presidente João Bernardo Vieira, por alegados excessos cometidos durante os cerca de 20 anos em que se manteve no poder.

Acusado de atrocidades e de violações dos direitos humanos, Nino Vieira abandonou entretanto o país, logo após o seu derrube do poder, em 1999 graças a um expediente que teve aparentemente na base, motivações meramente humanitárias, conforme justificação oficial do então governo de unidade nacional do primeiro ministro, Francisco Fadul.

Vieira regressaria entretanto ao país em 2005, para se candidatar a mais um mandato a frente dos destinos da Guine Bissau, ante um cenário de caos total, quer a nível político quer judicial , a ponto de nunca se ter conseguido apurar se sobre aquele antigo comandante guerrilheiro, pendia ou não uma acção penal, por alegados crimes contra opositores políticos.

Seis anos volvidos sobre o caso, Amine Saad então procurador geral da justiça na Guine Bissau, precisa os contornos de um caso, que animou na altura os debates políticos na Guine Bissau.

“O poder político era um poder incipiente, era um poder provisório era um poder nascido de uma rebelião. Do ponto de vista de aceitação por parte das democracias estabelecidas era complicado. Era necessário um poder que tivesse saído de eleições, com legitimidade, para poder pronunciar qualquer indivíduo suspeito de ter cometido algum crime. Ou seja, quando se realizaram as eleições, os processos que deveriam ser pronunciados não foram. As pessoas que estavam, digamos assim como titulares da acção penal, foram simplesmente exonerados. E partir dai nada mais se fez.” –reconhece Saad.

Fernando Gomes na altura na liderança da Liga Guineense dos Direitos Humanos reitera hoje as razões humanitárias que levaram aquela organização a apoiar na altura a saída do país, do destituído presidente.

“Verdade que depois de 7 de Maio quando a Junta Militar assumiu o controlo do país, o ex. presidente teve que se refugiar nas instalações da embaixada de Portugal. Então se levantou um problema: será que o presidente deveria responder perante as instancias judiciais ou deveria ser-lhe permitido que abandonasse o país para receber tratamento medico. Verdade que a Liga Guineense dos Direitos Humanos pronunciou-se na altura e por uma questão dos direitos humanos, a favor da saída do presidente. Mas nunca nos opusemos a possibilidade de Nino Vieira ser julgado, se houvesse um processo crime contra ele, obviamente por não pactuarmos com a impunidade.

Confrontado com o dilema, Reed Brady da Human Rights Watch, organização que acompanhou na altura de perto o caso, entende que muita coisa mudou em termos de tolerância para com a impunidade.

Brady, reconhece por conseguinte que se o caso Nino Vieira tivesse ocorrido nos tempos actuais, teria decerto tido um outro encaminhamento e quiçá uma outra atenção mundial.

“Se o caso de Nino Vieira ocorresse hoje, talvez tivesse uma outra saída. Não acredito que haja hoje condições para se reabrir o caso Nino Vieira, já que voltou e está no poder, legitimado por eleições. Mas hoje é muito mais difícil pactuar com impunidade do género.

Confrontado com a possibilidade da reabertura do dossier em questão, Amin Saad, ex. procurador da Guine Bissau, do pós-conflito, entende-a provisoriamente remota , na medida em que “a actual Constituição da Guiné Bissau num claro espirito de consagração da impunidade, descarta qualquer possibilidade de um acto do presidente ser indiciado como acto criminoso enquanto durar o mandato.”

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