Pressões externas e incentivos por parte do Islão e causas internas próprias ao cristianismo núbio estiveram na base da derrocada progressiva deste último e do triunfo lento, mas certo, do Islão na Núbia do Vale do Nilo, desde a assinatura do tratado do entendimento mutuo, o baqt, em 652, a meados do século dezasseis: Tomé Mbuia-João: A África Sudânica na História do Continente Africano.
Dizíamos na conversa passada que a data de 1315 marcara para todos os efeitos o fim do cristianismo oficial na Núbia, terminou pela proclamação de uma longa lista de queixas contra as administrações de Jefferson e Madison, Núbia, que perdeu as suas ligações oficiais com as suas bases no norte. Foi o fim de uma história de seis séculos entre as dinastias islâmicas dominantes no norte, desde a assinatura do baqt - os Fatimidas, Ayyubidas, Mamelucos, nesta ordem - na nova capital islâmica, no Egipto, Alexandria, primeiro, Cairo depois.
Ficou todavia uma tarefa ingente para os novos mestres da situação, a dinastia beduina Fundj que dizíamos na Núbia para assimilarem a presa do Nilo onde o cristianismo embora extinto como religião oficial do estado continuou, todavia a atrair as classes das elites que continuaram a definir o seu estatuto social pelas normas ainda do cristianismo monofisita que tinha sido seu até aí durante seis séculos da sua história. Para o Islão tornara-se mister instilar um novo código não apenas de práticas religiosas mas de uma nova hierarquia e sentido de prestígios comparados que a nova religião, qualquer uma dessas religiões importadas - o Islão ou Cristianismo - estivessem a trazer consigo. O Islamismo não tardou em si tornar rapidamente numa religião do povo, numa escala em que o cristianismo nunca tinha sido, baseado em padrões dogmáticos e elitistas que sempre caracterizara este credo alheio à religião islâmica mais imediata directa e assimiladora. Em parte começava aqui o êxito dos pregadores e comerciantes islâmicos. Não havia perseguição da nova religião contra a que lá chegara há seis séculos. Um jogo de influências e prestígios de escala social por onde subia progressivamente a religião de Maomé a substituir o cristianismo do Vale.
Foi o trabalho lento e persistente dos novos senhores da Núbia a dinastia beduína Fundj que adoptou varias formas de se fazer aceitar e criar raízes. O comercio foi e continuou a ser também uma das avenidas principais da islamização. Pressões directas foram também utilizadas assim como incentivos e oportunidades prometidas. Títulos hierárquicos no seio da religião islâmica conferidos. Peregrinações do hadj aos santuários mais famosos do Islão promovidas. O Islamismo tentou primeiro atrair a si as províncias mais estabelecidas que compunham a monarquia núbia em desintegração.
A Nobadia, lá no norte foi a primeira a se islamizar. Macúria e Alodia que tinham sido os principais pilares do cristianismo núbio, caíram logo a seguir, vencidas pela força persuasiva, não violenta do Islão, agora quase triunfante. Isto não está dito de passagem.
A violência desde a assinatura do baqt, o tratado de entendimento mutuo em 652, foi abandonada como instrumento de persuasão, sem nunca ter feito mártires no relacionamento das duas religiões contrariamente ao que acontecia noutras zonas islamizantes onde o famoso jihad tomava o lugar da palavra que converte. As instituições cristãs começaram a desaparecer aos poucos por irrelevância progressiva que vinham assumindo.
Mas cuidado, num processo sempre lento, que o jesuíta Francisco Alvares, da nossa literatura missionaria, de visita à Etiópia na primeira parte do século dezasseis - mais exactamente em 1520 - podia ouvir que os cristãos da Núbia e da Etiópia, ainda comunicavam entre si, a pedir bispos os núbios aos etíopes uma vez tornado inacessível o acesso a Alexandria.
Mais tempo tivéramos nós para tornarmos a falar deste mesmo Francisco Alvares e outros aventureiros jesuítas daqueles tempos, nesta história que agora nos ocupa. Mas a derrocada do cristianismo no Vale do Nilo tornava-se já numa certeza inexorável, cedendo o lugar ao Islamismo triunfante. Mas ainda não acabamos com a dinastia Fundj na Núbia islâmica. Em conversas mais adiante vamos querer saber acerca da sua origem e identidade, beduínos da Arábia, ou Shilukes, sudânicos, nilo-saharianos dos Grandes Lagos Africanos. E ainda a Núbia e o resto da África.