Em finais de agosto de 1619, um navio de corsários holandeses e ingleses com o nome de White Lion (Leão Branco) atracou no que era então Point Comfort (hoje Fort Monroe) na colónia britânica da Virgínia.
A bordo trazia pouco mais de 20 escravos angolanos na última etapa do terror que haviam vivido nos meses anteriores em que a morte pairava sobre eles a todo o momento.
Semanas antes, o navio esclavagista português, São João Baptista, comandado por Manuel Mendes da Cunha, tinha deixado o porto de São Paulo de Luanda com 350 escravos capturados nos reinos do Congo e Ndongo por guerreiros Imbangala (fundadores do reino de Kasange) e vendidos depois a traficantes portugueses de escravos que, por seu turno, os venderam a investidores da cidade espanhola de Sevilha para serem entregues no porto de Vera Cruz na colónia espanhola de Nova Espanha, hoje México.
DE ÁFRICA PARA AMÉRICA - A ODISSEIA DA ESCRAVATURA
Sabe-se que quando atracou em Vera Cruz tinha a bordo apenas 147 angolanos e que antes disso o São João Baptista tinha sido atacado por dois navios de corsários (um holandês e outro inglês – o “Treasurer”) agindo em conjunto sob comando do holandês Colyn Jope ao largo de Campeche no Golfo do México.
Foi este que ao comando do seu navio atracou em finais de agosto em Point Comfort para negociar a troca dos angolanos por mantimentos conforme o relato de um dirigente do colonato John Rolfe, que, numa carta para o diretor da Companhia da Virgínia em Londres, descreveu a chegada dos escravos “na parte final de agosto” sem dar uma data precisa.
“Ele (o comandante holandês) não trouxe qualquer coisa, mas apenas 20 e poucos negros”, escreveu Rolfe afirmando depois que os angolanos tinham sido “comprados em troca de comida ao melhor e mais fácil câmbio”.
Esses angolanos fizeram história quando pisaram o solo da Virgínia.
Os Antónios
Tornaram-se nos primeiros africanos a chegarem aos que hoje são os Estados Unidos e deram o primeiro passo numa ligação histórica marcada pela tragédia e pelo triunfo do trabalho de todos os milhares de angolanos, que posteriormente chegaram escravizados a esta parte do mundo e que constituíram o maior número de africanos chegados durante a escravatura.
Em 1620, um ano depois, os registos indicavam a presença na colónia de 17 mulheres africanas e 15 homens.
Um censo de 1621 regista vários angolanos com o nome de António, o que na atualidade causa alguma confusão e diferendo sobre a sua identidade.
Os registos indicam vários nomes dos escravos entre eles António, John Pedro e duas mulheres de nomes Angela e Isabela.
Em 1628, outros 100 angolanos chegaram ao mesmo local a bordo do navio Fortune de corsários ingleses e foram trocados por tabaco.
Historiadores admitem a possibilidade de alguns destes escravos serem conhecidos dos outros aqui chegados anteriormente por serem da mesma região.
Servos contratados
A salientar que, na altura, a escravatura como veio depois a desenvolver-se não existia nesse colonato e os angolanos foram considerados “servos contratados”, um esquema ao abrigo do qual ao fim de alguns anos de trabalho sem remuneração eles ganhavam a sua liberdade.
Assim, os registos falam de “serviçais” em propriedades de colonos britânicos.
Um exemplo disso é o servo angolano John Pedro, que se pensa ser proveniente do reino do Congo e que foi libertado no início da década de 1650, tendo possuído a terra em Lancaster, na Virgínia, antes de se mudar para o que é hoje o Estado de Maryland.
Primeiro americano de descendência africana filho de angolanos
Outras figuras bem conhecidas na história da presença afro-angolana e da escravatura nos Estados Unidos são António e a sua mulher Isabela, que trabalharam para o Capitão William Tucker.
O filho deles, William, foi a primeira criança de descendência africana a nascer em solo norte-americano e que, segundo historiadores, foi batizado no condado de Elizabeth City, hoje parte da cidade de Hampton.
Outro angolano também de nome António ficou conhecido como Antony Johnson.
Ele casou-se em 1623, com Mary, cuja origem se desconhece, e em 1635 cumpriram o acordo de servidão, ganhando a liberdade.
Antony Johnson tornou-se num agricultor de tabaco no que é hoje o Estado de Maryland, acumulou fortuna e ficou conhecido como “o patriarca negro” da primeira comunidade de proprietários negros na América do Norte.
Pormenor curioso é que Antony Johnson tinha ele próprio vários “servos contratados” e em 1651 tinha 100 hectares de terra onde trabalhavam cinco “servos contratados”.
Tribunal decide a favor de Johnson
Num caso que entrou para a história dos Estados Unidos, um desses servos fugiu para a propriedade de um colono.
O angolano Antony Johnson foi a tribunal que reconheceu que ele era o legítimo proprietário do servo John Casor.
Este foi o primeiro caso na história das colónias, que se vieram a tornar nos Estados Unidos, em que um tribunal reconheceu que uma pessoa podia ser considerada propriedade de outra para sempre.
Antony Johnson morreu em 1670, presume-se com 70 anos de idade, porque a sua data de nascimento é incerta.
Após a sua morte em Maryland a sua propriedade foi dada a um colono branco e não aos seus filhos.
Um juiz decidiu que Johnson “não é um cidadão da colónia” devido à sua raça, assinalando o racismo que viria a marcar os Estados Unidos durante séculos para justificar a escravatura em grande escala
Angola USA
Contudo, em 1677, um neto de Antony Johnson, John Jr., comprou uma propriedade de 18 hectares e deu- lhe o nome de Angola
Atualmente, em estados americanos como a Louisiana, Delaware, Nova Iorque e Ohio existem localidades ou cidades com o nome de Angola que atestam essas ligações históricas iniciadas há 405 anos.
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