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Famílias angolanas procuram comida para contornar penúria alimentar


Lixo, Namibe, Angola
Lixo, Namibe, Angola

Relatório da FAO diz que 32 por cento da população não tem acesso diário a alimentos, ministro afirma que situação está a melhorar

Sem condições nem mesmo para uma refeição diária, famílias angolanas fazem das ruas as suas moradias, nas imediações de contentores de lixo, procurando retirar dali sobras de alimentos para contornar uma penúria sem fim à vista.

Este é um excerto do mais recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), que aponta para 11 milhões de pessoas, 32% da população, sem acesso diário e regular a alimentos, por isso em situação de insegurança alimentar grave.

Há quatro meses, em reação a outro relatório, para o qual trabalharam igualmente a União Europeia e mais 13 instituições, o ministro angolano da Agricultura desvalorizou previsões de um cenário pior em matéria de crise alimentar, mas a realidade mostra situações dramáticas.

Famílias angolanas procuram comida para contornar penúria alimentar
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“O sofrimento está mesmo difícil, nós comemos mesmo no lixo, quando botam comida vamos lá a correr e recolher aquela comida”, lamentam cidadãos ouvidos pela Voz da América

Passavam 30 minutos das 14 horas, com muito movimento de pessoas e viaturas pelas artérias da cidade de Benguela, e Joana, nome fictício, não tinha conseguido sequer 50 kwanzas, bem menos de um dólar, um valor abaixo do preço de um pão.

A filha, que não frequenta a escola por falta de condições, chega com batata doce arrancada de um contentor de lixo.

É o dia-a-dia de famílias em situação de penúria alimentar.

“Às vezes passamos todo o dia à fome, dormimos sem comer. Aqueles que têm pena … assim mesmo desde manhã nem um 50 nos deram”, explica a mulher, ao lado da filha, uma rapariga de 11 anos que acabava de chegar com batata.

“Consegui agora aí no lixo, lavei, está boa para comer”, atira, algo envergonhada, a rapariga, enquanto a mãe salienta que “não temos problemas de saúde, vamos fazer então como?”

Das cidades ao meio rural, o produtor Eugénio Capitango Augusto, a partir do Lépi, província do Huambo, tem exemplos similares.

Capitango aborda a corrida a restos de um fruto típico da região, mas volta a criticar a falta de fundos para a agricultura familiar

“O maior número está na zona rural, aqui não chegam as coisas. Uma caneca de fuba ‘pala-pala’ a 400 kwanzas é perigoso, por isso o Governo deve fazer alguma algo porque as coisas estão a piorar”, alerta o líder de uma cooperativa.

“Fizemos experiência, colocámos o lixo do abacaxi, as pessoas foram para lá, não são malucas, só não vê esta fome quem não está aqui”, vinca Calingala Augusto.

O ativista cívico João Guerra, evangelista da Igreja Católica, reforça igualmente que a solução está no campo, mas avisa que há problemas imediatos

“O número das pessoas nas cidades aumentou, corremos acima e abaixo, acrescentando a inflação que todos os dias … o nosso dinheiro vai caindo, isso está a agravar-se cada vez mais, até o trabalhador tem problema de fome”, descreve Guerra, lembrando que “o campo não é imediato, só daqui a vários meses, temos de recorrer às organizações internacionais, aos que têm, não há mais soluções”.

Entre 2021 e 2023, segundo o relatório divulgado na última semana, o número de subnutridos disparou de 6,8 milhões para 8,3 milhões de pessoas, com a prevalência da insegurança alimentar grave no país a aumentar de 30 para quase 32 por cento.

A FAO alerta que as restrições na alimentação afetam pelo menos 80 por cento da população.

A Voz da América tentou obter uma reacção do ministro da Agricultura e Florestas, António Francisco de Assis, mas sem sucesso.

Há quatro meses, num exclusivo à Voz da América, a propósito de outro relatório, Assis afirmou que Angola caminhava bem em matéria de segurança alimentar e combate à fome.

“É suposição do relatório que você leu, não é a posição do Governo de Angola, estamos a trabalhar e a ir bem. Os resultados que estamos a obter não indicam isso, são avaliações individuais”, afirmou o governante, na altura.

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