Links de Acesso

Fome leva milhares a regressarem a zonas inseguras de Cabo Delgado


Mulheres deslocadas devido à guerra em Cabo Delgado, Moçambique 11 de Novembro de 2021
Mulheres deslocadas devido à guerra em Cabo Delgado, Moçambique 11 de Novembro de 2021

A incerteza de assistência alimentar e as tensões geradas na competição pelo acesso a terra entre as vítimas da insurgência e famílias acolhedoras, em Cabo Delgado, precipitou movimentos de regresso dos deslocados para locais inseguros, tornando-os alvo fácil de novos ataques e realimentando o conflito, disse à VOA nesta quinta-feira, 11, sociólogo moçambicano João Feijó.

Fome leva milhares a regressarem a zonas inseguras de Cabo Delgado
please wait

No media source currently available

0:00 0:03:49 0:00

Sem produção agrícola, por um lado devido às disputas por terras aráveis para cultivo com os nativos, e por outro, devido ao fracasso na colheita, muitos deslocados viram-se abraços com a fome, situação agravada com a limitação de assistência humanitária por falta de recursos.

“Se na primeira época as coisas correram relativamente bem, quando chegamos nos finais de 2021, os donos das terras começaram um movimento de exigir dinheiro as populações deslocadas (totalmente descapitalizadas), e quando no final do ano começa a haver várias interrupções na ajuda alimentar a população sente a necessidade de regresso”, disse João Feijó, investigador do Observador do Meio Rural.

O também autor de um estudo sobre a caracterização das condições socio-económicas dos deslocados internos, em Cabo Delgado, observou que a maior parte da população deslocada tem menos recursos e concentrou-se nas zonas mais inseguras ou em centros temporários, e largamente dependentes de apoio humanitário.

Condicionalismos

Estes, prosseguiu Feijó, começam a fazer “movimentos tímidos de regresso, não enquadrados pelo governo, mas como iniciativas pessoais", para zonas com acesso aos recursos naturais, possibilitando a diversificação das suas rendas, deixando alguns familiares nos campos de abrigos.

Para o investigador e sociólogo, “a fome vai condicionar o regresso ou a manutenção da população deslocada no sul de Cabo Delgado”.

“Muitos deslocados arriscarão o regresso às zonas próximas de origem e mais inseguras, e dispersando-se em aldeias remotas e isoladas tornar-se-ão alvos frágeis para grupos armados que vão depois reforçar-se e vão voltar a matar, raptar, pilhar, e recrutar jovens e crianças para as suas fileiras, reproduzindo todo o conflito”, alertou Feijó.

O também coordenador do Observador do Meio Rural (OMR), entende que começou a existir a partir do final do ano de 2021 uma descoordenação entre as políticas de intervenção por parte do Estado e de organizações humanitárias, particularmente evidente, “em que a intensificação de acções contra terroristas foi acompanhada por mais dificuldades de assistência alimentar”.

Para ele, o Estado, agências de desenvolvimento e organizações da sociedade civil enfrentam um dilema estratégico: arriscar o regresso das populações a locais inseguros, ou promover o desenvolvimento socio-económico nos locais de reassentamento, compensando as populações locais pela cedência de terrenos para produção agrícola e subsidiando actividades económicas.

Pelo menos 14 mil (do universo de 62 mil que fugiram) pessoas tinham regressado a Mocímboa da Praia até finais de Julho, a maioria sem autorização oficial, uma situação que tem preocupado as autoridades, que estão a lançar vigorosos apelos para a população não regressar.

Novos ataques

Entretanto, os rebeldes continuam a provocar luto em aldeias de distritos fustigados pela insurgência armada em Cabo Delgado, tendo protagonizado dois ataques em dias seguidos, no distrito de Muidumbe, não distante da zona onde o grupo perdeu para as forças governamentais uma base.

Na terça-feira, 9, o grupo matou três camponeses e raptou em seguida uma mulher, relataram à VOA nesta quinta-feira várias fontes locais.

Na quarta-feira, 10, ainda em Muidumbe, o grupo atacou Mapate, uma aldeia que já recebeu centenas de deslocados que regressaram voluntariamente sem autorização do governo e nem das forças de Defesa e Segurança, disse uma outra fonte local.

A Polícia da República de Moçambique (PRM) em Pemba, não respondeu o nosso pedido de comentário.

Há cerca de 800 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

XS
SM
MD
LG