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Mulheres que fugiram aos insurgentes em Cabo Delgado narram violência no cativeiro


Deslocados, vítimas da violência armada em Cabo Delgado, aguardam na rua por ajuda do PMA, em Pemba.
Deslocados, vítimas da violência armada em Cabo Delgado, aguardam na rua por ajuda do PMA, em Pemba.

Estudo revela papel das mulheres sequestradas naquela província moçambicana

A intensificação do conflito militar na província moçambicana de Cabo Delgado levou o centro de pesquisas Observatório do Meio Rural (OMR) a promover um estudo no qual participaram 23 mulheres vítimas de agressão ou sequestro por grupos terroristas que relataram os mistérios que constitui o mundo dos insurgentes que têm perturbado aquela região há cerca de quatro anos.

Mulheres que fugiram aos insurgentes em Cabo Delgado narram violência no cativeiro - 12:00
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As entrevistadas fazem parte de grupos de mulheres e raparigas raptadas pelos terroristas, que conseguiram fugir e que relataram experiências horripilantes e violentas vividas no cativeiro dos terroristas.

João Feijó, investigador do Observador do Meio Rural, Moçambique
João Feijó, investigador do Observador do Meio Rural, Moçambique

“Caracterização e organização social dos Machababos a partir dos discursos de mulheres raptadas” é o título do estudo.

João Feijó, investigador do OMR e que coordenou o estudo, diz que a pesquisa procura desvendar o pouco conhecimento existente acerca das formas de organização interna dos insurgentes, que se levantaram contra o Estado, mas também contra as suas estruturas tradicionais.

Estudo com mulheres raptadas revela características dos insurgentes
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Nas suas acções, os insurgentes têm-se dedicado ao rapto de centenas de jovens mulheres que são acantonadas em bases intermédias, localizadas em aldeias abandonadas.

“Eles se organizam em diferentes bases, têm aquelas bases que estão na dianteira do conflito nas zonas avançadas, de defesa e de ataque, mas depois tem um segundo conjunto de bases que são chamadas as intermédias, onde eles vão acantonando, por um período de uma semana ou dez dias, aquelas pessoas que são raptadas", afirma Feijó.

O investigador deu a conhecer que as mulheres revelaram as características do grupo que “raptou centenas de jovens mulheres e de crianças pré-adolescentes".

"Há um enigma sobre o que acontece a este grupo, a verdade é que o mesmo passa por períodos intermédios em são acantonadas as pessoas que são sujeitas a um trabalho de doutrinação religiosa, mas também política, portanto, são apresentadas mensagens de condenação social, da violência, da injustiça e da exploração social e económica”, acrescenta aquele investigador.

A promessa messiânica de ordem social, conjugada com a distribuição de benefícios concretos – alimentação, vestuário e protecção – têm um efeito sedutor nas populações vulneráveis, sobretudo num cenário de violência, de grande precariedade social e de insegurança alimentar.

“A fronteira entre o medo e a resignação começa a diminuir, apesar de muitas mulheres fugirem, a verdade é que há algumas que acabam por aderir a este grupo por coação e por medo, mas também por encontrarem ali uma vantagem, temos que ver que durante o período do estudo as mulheres estavam numa situação de privação alimentar, Mocímboa da Praia antes do ataque de Março (de 2020) por exemplo vivia-se períodos de fome de de grande inflação de alimentos”, lembra Feijó, quem acrescenta que “as mulheres são integradas depois como esposas, outras são integradas em trabalhos logísticos, de cozinhar, transportar, mas também de tarefas de cariz militar, não só de observação e de espionagem, como também de actividades de defesa e ataque".

O estudo apresenta relatos de mulheres que são vistas com armas e que participam inclusivamente nos ataques, e "depois há uma rede que a gente suspeita seja de tráfico – houve história de mulheres que diziam que iam estudar para a Tanzânia enquadradas neste grupo”.

Segundo o estudo, no grupo, os indivíduos distribuem-se por diferentes funções, que vão de atividades de ataque e de defesa, de reconhecimento, filmagens e telecomunicações, mecânica e enfermagem ou logística.

“Há aqueles que fazem tarefas militares, de ataque e de defesa, há outros que estão especializados em tarefas de mecânica passam o tempo a reparar motorizadas, há outros que são enfermeiros, responsáveis pelas telecomunicações e comunicação com o exterior e inclusive que estão vocacionados para acompanhar aquilo que se diz na imprensa e nas redes sociais, eles acompanham o que acontece e o impacto que tem a acção deles no mundo exterior e o debate que se desenrola sobre eles próprios, há aqueles mais argumentativos e com mais capacidade para acções de doutrinação”, revela o estudo.

João Feijó afirma que as entrevistadas revelaram que o crescimento do grupo fez também crescer a respectiva diversidade, quer em termos de convicção religiosa, quer de nível de violência e de motivação.

“Todos são violentos, ali não há quem não seja violento, a quantidade de destruição e assassinatos é enorme, pessoas que são degoladas e que são esquartejadas não há de faltar, agora no âmbito da violência sobre as mulheres nós contatamos que as histórias mais horripilantes e violentas, nomeadamente violações em grupo, acontecem em Quissanga”, revela o investigador acrescentando que “o grupo não é assim tão homogéneo em termos de práticas de violência, há diferenças entre nacionais e estrangeiros, alegadamente os estrangeiros são os mais agressivos, mas há que confirmar bem isto, por outro lado há também ali diferenças entre os mais velhos (entre os 20 e 30 e poucos anos) que tiveram a experiência na Tanzânia que são mais doutrinados religiosamente e que seguem com mais rigor os preceitos religiosos".

Feijóa diz que há um outro grupo que não esteve na Tanzânia e que não foi tão doutrinado que são mais jovens, miúdos com 17 ou 18 anos, "que não seguem as rezas e não estão muito preocupados com isso”.

O estudo foi realizado em Agosto de 2020 .

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