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"Eu vivo das pedras", a realidade de muitas crianças em Angola


Relatório "Eu Vivo das Pedras" de Domingos da Cruz
Relatório "Eu Vivo das Pedras" de Domingos da Cruz

Domingos da Cruz denuncia casos de crianças de 8 a 15 anos de idade que trabalham até ao limite das forças para pagar a escola

O investigador e escritor angolano Domingos da Cruz divulgou nesta sexta-feira, 1, Dia Internacional da Criança, na internet uma investigação em que denuncia o trabalho de crianças no garimpo de rocha e extracção de areia em três províncias angolanas.

Cruz, um dos 17 activistas detidos em 2015 e posteriormente amnistiados, por participaram na leitura de um livro da sua autoria, escreve em “Eu vivo das pedras” que as crianças trabalham até os "limites da força física", por menos de 55 dólares mensais para pagarem a escola. Aquelas que conseguem ir.

O relatório/ensaio, em homenagem à crianças, segundo Cruz, analisa a situação das crianças garimpeiras de pedras à luz do Direito ao Desenvolvimento.

Domingos da Cruz, professor universitário, investigador e escritor angolano
Domingos da Cruz, professor universitário, investigador e escritor angolano

Em conversa com a VOA, Domingos da Cruz, diz que o “simples facto de crianças estarem envolvidas neste tipo de actividades, não precisamos de evocar palavras refinadas ou rebuscadas para considerar que a situação é inaceitável do ponto de vista das exigências civilizacionais do mundo contemporâneao”.

"Todos veem isto com normalidade"

Aquele investigador diz reparar uma naturalidade ou tolerância do Governo e também da sociedade para o trabalho infantil, como que se o problema não existisse.

“Toda a sociedade olha isto com alguma normalidade, talvez pelo facto de sermos uma sociedade fundada na violência”, acrescenta Cruz, que vê o mesmo “nas autoridades que têm uma responsabilidade acrescida na resolução do problema”.

O ensaio que está disponível na internet, apresenta o quadro do trabalho infantil no garimpo de rochas e extracção de areia com entrevistas a várias crianças, entre 8 e 15 anos de idade, que contam as suas histórias.

José Victor, de oito anos e a viver no Huambo, não frequenta a escola nem tem bilhete de identidade, e apenas conhece o "local de trabalho", que é o rio Kunhongamua.

Diz, por exemplo, que muitas vezes sente febre ao passar horas a fio no rio.

Hilário Caiamba, de 15 anos, trabalha no garimpo e extracção de areia no rio Lufena, na província do Huambo.

Faltam políticas públicas

Ele completou a oitava classe, mas para tal trabalha no garimpo desde os nove anos idade porque os pais, que se dedicam à agricultura de subsistência, não podiam pagar os estudos.

Para Domingos da Cruz, ao contrário de outras realidades, também condenáveis, no caso de Angola "não faltam recursos financeiros para que as crianças não sejam aviltadas na sua dignidade".

Aquele professor universitário e escritor aponta "a falta de distribuição justa da riqueza e políticas públicas" que tenham as crianças no centro do desenvolvimento.

Para ele, é importante que “se transformem as normas, tanto nacionais como regionais e internacionais, em políticas públicas concretas” porque, no entender de Cruz, o país possui instrumentos legais suficientes.

“Bastará ao Estado implementar esses instrumentos internacionais para ultrapassarmos o quadro dramático em que as crianças se encontram”, conclui Domingos da Cruz.

Outras realidades

O relatório de 82 páginas, segundo o autor, “permitiu compreender que existem outras pistas potenciais para investigação, todas ligadas ao trabalho infantil e que perturbam a concretização do direito ao desenvolvimento da infância”.

Cruz cita “crianças na actividade de tapa buraco nas estradas interprovinciais, crianças no mercado informal, crianças prestadoras de serviços (engraxadores, carregadores de mercadorias em armazéns, lojas e praças, lavando a louça), crianças dedicadas à agricultura familiar e outras exploradas em fazendas”.

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