Eliza Capai e Natália Viana, Agência Pública de Jornalismo
O dia 28 de agosto, data em que José Eduardo dos Santos completou 73 anos, era anunciado com cartas de congratulações sendo lidas, já desde os dias anteriores, nas rádios mais ouvidas do país. Luanda amanheceu limpa, como se as pilhas de lixo que se amontoavam nos dias anteriores tivessem desaparecido no ar, as calçadas varridas. O governo decretou ponto facultativo; e em diversas ruas se viam grupos de jovens uniformizados, com camisas estampadas com o símbolo do partido MPLA ou o próprio rosto do presidente na marcante foto que ilustra também outdoors pela cidade, sobre o epíteto de “Arquitecto da Paz”.
O trânsito, porém, estava caótico. Nas ruas do centro, faixas inteiras foram bloqueadas: ali passaria o carro presidencial com o seu comboio. A cada duas quadras via-se um grupo de militares uniformizados portando AK-47. São membros da Guarda Presidencial, grupo paramilitar de cerca de 15 mil membros que responde diretamente ao chefe da nação. “Basta ver tropas nas ruas, quer dizer que o presidente tá na rua. Só voltam ao quartel-general quando ele estiver de volta ao palácio”, diz o nosso motorista, impaciente.
No centro da cidade, o Largo Primeiro de Maio estava rodeado por diversas caminhonetas azul-escuras carregadas de policiais e seus fuzis. No centro da praça acontece uma espécie de teatro. No mesmo lugar para onde estava marcado um protesto dos familiares dos presos políticos, ouviam-se misturados hitsdo ritmo kuduro, ao som dos quais menininhas pré-adolescente anos rebolavam em coreografia, e os gritos de um animador do MPLA saudando os feitos e o aniversário do Kota Zedu – “Kota” é o apelido carinhoso dado pelos angolanos aos mais velhos. Havia uma pequena e estranha audiência: jovens de boné, calções escuros e jaquetas estilosas; meninas e rapazes vestidos com blusas amarelas com as iniciais da sigla da Juventude do MPLA nas costas; ao menos uma dezena de homens altos de óculos escuros e cara de poucos amigos, olhando avidamente em todas as direções. Algumas crianças que estavam dançando receberam logo um lanche, quando chega animado um grupo de homens altos, vistosos, com camisetas que traziam o rosto do presidente. Tentamos tirar algumas fotos, mas somos cercadas por três homens que mandam apagar as imagens. Um deles passa a nos filmar, seguindo-nos de perto aonde vamos, o celular na altura dos nossos rostos. É a deixa para um dos jovens de roupa escura se aproximar: “Somos revus, estamos preocupados com vocês. Os Sinses estão muito a vos acompanhar”. Saímos da praça sob os olhares quentes de todos aqueles homens. Não há muitas mulheres nas ruas de Luanda. Além das meninas, que agora partem para outra apresentação noutro lugar da cidade, há apenas duas vendedoras de roupas, Laurinda e a ativista Rosa Conde – que vemos apenas de longe. Alguns dos espiões encaram-nos com ódio, outros atiram beijinhos. Sentamos em um banco no lado oposto da avenida, quando chega um senhor com uma câmera: “Posso tirar uma foto de vocês duas?”. Negamos e ao fundo conseguimos distinguir claramente: um policial nos filma com o seu iPhone debaixo do braço dobrado, a luz branca piscando em nossa direção. Não demora um segundo. Dois rapazes passam correndo e agarram nossas mochilas, atiram-nos ao chão. Dentro da mochila, todo o equipamento de filmagem.
Rapidamente, um homem cerca um deles, arranca a mochila das suas mãos. É agarrado por um policial, e a mochila some novamente. Ouvem-se os gritos de “Ladrão! Ladrão!”. Minutos depois encontramos, mais adiante, um policial gordinho, irritado, abraçado a uma das mochilas, o rosto vermelho. “Vamos para a esquadra! Vamos para a esquadra!”, grita, negando-se a devolver a mochila. Teríamos de acompanhá-lo à delegacia. Quando ligamos para a embaixada ele some num carro da polícia, sem informar aonde levava nosso equipamento. O material só foi recuperado cinco dias depois, após diversas visitas kafkianas à esquadra, nas quais sempre faltava um papel, uma informação, uma assinatura. O que é claro é que não existem regras, não existe regimento nem processo. A polícia assegura que está investigando o “roubo”, mas, como observa um diplomata da embaixada brasileira, “eles as trataram como suspeitas”. Apenas ao final de cinco dias, com a mediação da embaixada, conseguimos recuperar o equipamento.
Veja a última reportagem da série "Medo e controle em Angola": http://bit.ly/1Ss7PrW