Regressado a Nova Orleãns para o que deveria ser o último ano na Loyola University New Orleans, Zé Dú dos Santos, filho do presidente de Angola, estava longe de pensar que um furacão fosse colocar aquela cidade perante a maior contrariedade da sua história. Afinal, durante o verão não recebeu quer da prefeitura da cidade , quer da linha de emergência da universidade qualquer indicação sobre a possibilidade da passagem de um furacão por aquela zona.
Porém, posto em Nova Orleãns não precisou de muito tempo para sentir os sinais que o furacão Katrina ia enviando. No sábado dia 27, já não havia dúvidas.
“No sábado antes do furacão houve um anúncio do mayor de New Orleans a dizer que a cidade seria evacuada. Houve também um aviso da escola dando conta do seu encerramento por alguns dias, devido ao furacão”.
Posto isto e perante tamanho constrangimento como quase toda a gente de Nova Orleãns, Zé Dú teve que escolher entre o que levar consigo, e o que deixar.
“Eu deixei quase tudo em Louisiana. Deixei lá quase tudo que acumulei durante os anos que estive lá a estudar . Ficou tudo para trás. Infelizmente naquela situação a pessoa tem de decidir o que é mais importante, e o que é mais importante para mim é a saúde e o bem estar. O mais importante é que as pessoas tenham vida, e saúde e infelizmente nesta catástrofe houve pessoas que perderam uma ou ambas coisas . Eu neste momento sinto-me privilegiado por poder estar aqui a dar esta entrevista, pois há pessoas que nem se quer têm o privilegio de viver. Tive a sorte não só de poder sair de lá, mas também de ter a minha mãe a viver em Washington que me socorreu nesta situação. Foi bom ter família por perto.”
Zé Dú reconhece que outros angolanos terão tido menos sorte e menos apoio do que ele, para o que terá concorrido o que ele próprio classifica de deficiência dos consulados angolanos nos Estados Unidos.
“Infelizmente acredito que o trabalho dos consulados angolanos nos Estados Unidos tem sido um tanto quanto lento e deficiente neste aspecto. Não recebi nenhuma informação e nem fui contactado por ninguém do consulado. Eu próprio tive que ir a Houston. Isto causa muitas preocupações às comunidades angolanas naquela área.”
Quantos angolanos viverão em Lousiana?
“Infelizmente não tenho uma ideia porque que eu saiba a maior parte dos angolanos que reside em Louisiana, está em Baton Rouge. Há alguns em New Orleans que eu não deva conhecer , e que estão eventualmente registados no consulado de Angola em Houston, Texas que é que controla a parte sul dos EUA. Acredito que muitos terão ficado presos, pois não têm o apoio devido. Mesmo por exemplo nas áreas do Mississipi e do Alabama que também foram afectadas deve haver outros angolanos por lá que não receberam apoio, ou até mesmo informação...Eu pelo menos não senti preocupação, nem sinais de planeamento necessário.”
Tomada a decisão de se evacuar a cidade Zé Dú e a outros se punha a questão de escolher o sítio para onde ir. Zé Dú escolheu-lhe Houston. Uma viagem que habitualmente se faz em 4 ou 5 horas custou-lhe 10 horas. Mas o tráfego não foi o único problema na viagem de Louisiana, para Houston, Texas.
“Naquela altura o meu carro tinha uns problemas técnicos e também tinha pneus carecas. Perante isso tentei alugar um carro, mas com todo o mundo a tentar sair, as agências de rent-a-car estavam esgotadas...então mesmo correndo riscos a solução foi sair naquela viatura ..como resultado, não pude trazer muita coisa pois receava que o peso provocasse outros problemas. Tive, enfim, a felicidade de ter tido uma viatura para sair, porque infelizmente houve muitas pessoas que não conseguiram sair de lá por não terem um meio de transporte nem informação. Mesmo no dia em que saí vi muita gente nos pontos turísticos, nas ruas, porque a informação chegou a algumas pessoas muito tarde.”
Chegar a Houston resolveu parte dos problemas daqueles que saíram de Nova Orleãns, mas colocou quase todos perante um outro problema .. alojamento.
“Quando a cheguei a Houston, os hotéis e pousadas estavam todos lotados com pessoas de New Orleans que procuravam abrigo. Houve famílias inteiras que saíram do local, e então era muita gente ao mesmo tempo à procura de abrigo. Por este motivo foi difícil encontrar alojamento em Houston.”
A Zé Dú e a outros estudantes das universidades de Nova Orleans coloca-se o desafio de não se perder o ano lectivo. Embora a universidade onde estuda esteja localizada na parte alta da cidade, logo menos afectada pelas cheias, ela está encerrada. Finalista do curso de Comunicação com especialidade em Publicidade e administração de empresas, Zé Dú procura em Washington outras soluções.
‘Neste momento estou à procura de uma instituição onde possa continuar os meus estudos, porque não quero ficar parado. Estou no 4º ano, e o que procuro são instituições que estejam a acolher estudantes ..a previsão inicial para reabertura da universidade era de 3 meses, neste caso retornaria em Janeiro, mas não se sabe se nessa altura a cidade estará habitável , mas agora já se fala em 6 meses ..então continuo à procura dessa instituição ..porque em New Orleans vive-se uma situação extraordinária, ..outro problema também é a perca alguns dos créditos....pode ser que não aceitem tudo e tenha que voltar para trás...o que seria mais um inconveniente ...neste momento estou à procura de uma instituição onde possa continuar os meus estudos até saber o que vai acontecer à minha universidade ..estou mais preocupado neste sentido ..porque eu fui para New Orleans para estudar.’
Se terminar a licenciatura antes que universidade reabra, ZéDú só terá que voltar à Nova Orleans para receber o diploma.. Se não for o caso.. provavelmente regresse para fazer mais algumas cadeiras. E apesar da experiência que viveu, José Eduardo Paulino dos Santos, ou se quisermos Zé Dú não descarta a hipótese de voltar “̀a Nova Orleãns.
“Eu já vivo lá desde o meu primeiro ano da universidade, então de certa forma, New Orleans já é um lar para mim. Tenho laços com a cidade. Espero que ela recupere...Eu escolhi New Orleans primeiramente porque a universidade tem boa qualidade de ensino, e é compatível com o que procurava numa universidade...A cidade é um tanto quanto intrigante...quando a conheci achei-a interessante ..tem uma cultura interessante ..mas acima de tudo o que me levou para lá foi a escola ..tem uma boa qualidade de ensino e prestígio ..Isto foi o mais importante para mim”.
Se se confirmarem todas as projecções, a cidade poderá estar recuperada em cerca de 6 meses, e Zé Dú poderá estar formado dentro de um ano...Até lá a par dos estudos espera continuar ligado a alguns projectos, nomeadamente luta contra droga, eventos culturais, e às ONG, Friends of Childrens of Angola, e a Associação de Saúde mental da CPLP.